IV - DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

7.   O Processo e a Constituição Federal

            O direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais ditadas pelo direito constitucional, que fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais, que garante a distribuição da justiça e a declaração do direito objetivo, que estabelece alguns princípios processuais. Nesse diapasão, o direito processual penal chega a ser apontado como direito constitucional aplicado às relações entre a autoridade e liberdade. Alguns dos princípios gerais que informam o processo são, a priori, princípios constitucionais ou seus corolários, tais como, o juiz natural (art. 5º, XXXVII), a publicidade das audiências (art. 5º, LX e 93, IX), a posição do juiz no processo e da subordinação da jurisdição à lei (imparcialidade); e, ainda, os poderes do juiz no processo, o direito de ação e de defesa, a função do Ministério Público, a assistência judiciária etc.

7.1       Tutela constitucional do processo

            O antecedente histórico das garantias constitucionais da ação e do processo é o art. 39 da Carta Magna de 1215,  outorgada por João Sem-Terra a seus barões, assim redigido:  "nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destruído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país".


            A análise da CF em vigor contém vários dispositivos que caracterizam a tutela constitucional da ação e do processo. Assim o faz quando estabelece a competência da União para legislar sobre direito processual, unitariamente conceituado (art. 22, I); e quanto aos procedimentos em matéria processual, dá competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, XI).

            O direito de ação, com o correlato acesso à justiça, é ainda sublinhado pela previsão constitucional dos juizados para pequenas causas, civis e penais, agora obrigatórios e todos informados pela conciliação e pelos princípios da oralidade e concentração (art. 98, I). E mesmo fora dos juizados, a CF prevê e valoriza a função conciliatória extrajudicial, pela ampliação dos poderes do juiz de paz (art. 98, II).

            Com o mesmo espírito, inserem-se a facilitação do acesso à justiça, mediante a legitimação do Ministério Público e de corpos representativos da sociedade civil organizada (associações, entidades sindicais, partidos políticos, sindicatos), na defesa dos chamados interesses difusos e coletivos, de que a CF é extremamente rica (art. 5º, XXI e LXX; art. 8º, III; 129, III e § 1º; art. 232). O mesmo ocorre com relação à titularidade da ação direta de inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos, sensivelmente ampliada (art. 103).

7.2       Garantias da ação e da defesa ou acesso à jurisdição

            O direito de ação, tradicionalmente reconhecido no Brasil como direito de acesso à jurisdição para a defesa de direitos individuais violados, foi ampliado pela CF. à via preventiva, para englobar a ameaça a esses direitos (art. 5º, XXXV), garantindo assistência gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (LXXIV).

7.3       As garantias do devido processo legal

            Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Servem não só aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de tudo, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.

            Em derradeira análise, o due process of law consiste no direito de não ser o cidadão privado da liberdade e de seus bens, sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma da lei.[1]

            O conteúdo dessa regra constitucional [ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, inc. LIV)] desdobra-se em rico leque de garantias específicas: a) a dúplice garantia do juiz natural (art. 5ª, inc. XXXVII), não mais restrito à proibição dos juízos ou tribunais de exceção, mas abrangendo a dimensão do juiz competente (art. 5º, incs. XXXVII e LIII; e b) o contraditório e a ampla defesa, agora assegurados em todos os processos, inclusive administrativos, desde que neles haja litigantes ou acusados (art. 5º, inc. LV).
           
            [A investigação administrativa realizada pela polícia judiciária e denominada de inquérito policial não está abrangida pela garantia do contraditório e da defesa, mesmo perante o novo texto constitucional, pois nela ainda não há acusado, mas mero indiciado. Permanece de pé a distinção do CPP, que trata do inquérito nos arts. 4º e 23, e da instrução processual nos arts. 394 e 405.]

            Como novas garantias, a publicidade e o dever de motivar as decisões judiciárias são elevadas a nível constitucional (arts. 5º, inc. LX, e 93, inc. IX).

            As provas obtidas por meios ilícitos são consideradas inadmissíveis e, portanto, inutilizáveis no processo (art. 5º, inc. LVI).

            A garantia da inviolabilidade do domicílio é outro preceito processual-constitucional (art. 5º, XI); Idem o sigilo das comunicações em geral e de dados. Somente as telefônicas podem ser interceptadas, sempre segundo a lei e por ordem judicial, mas restrita à colheita de provas penais (art. 5º, XII).

            Há ainda garantias específicas para o processo penal: a) presunção de inocência do acusado (art. 5º, LVIII); b) vedação da identificação criminal datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente, ressalvadas as hipóteses previstas em lei (art. 5º, LVIII); c) indenização pelo erro judiciário e pela prisão que supere os limites da condenação (art. 5º, LXXV); d) a prisão, ressalvadas as hipóteses do flagrante e das transgressões e crimes militares, só pode ser ordenada pela autoridade judiciária competente (art. 5º, inc. LXI). 

            [Por força dessa garantia, os dispositivos legais que previam as chamadas prisões administrativas foram revogados[2] e, por via de conseqüência, está vedada qualquer possibilidade de prisão para averiguações, determinada por qualquer autoridade que não seja a judiciária competente.]

            Hoje, mais do que nunca, a justiça penal e a civil são informadas pelos dois grande princípios constitucionais: o acesso à jurisdição e o devido processo legal. Destes decorrem todos os demais postulados indispensáveis à asseguração do direito à ordem jurídica justa. A ordem não é exaustiva, já que o art. 5º, § 2º adverte que: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". (direito à prova, por exemplo, como corolário do contraditório e da ampla defesa).

7.4       A Constituição atual  e o direito anterior

            Como se disse, sendo a CF a base de toda a ordem jurídica, a rigor de lógica, a promulgação da nova ordem constitucional deveria ter como efeito a perda de eficácia, não só da Constituição precedente, mas de todas as normas editadas na conformidade dela.

            Contudo, por razões de ordem prática, não se adota esse critério. Entende-se, por isso, que as normas ordinárias anteriores, que não sejam incompatíveis com a nova ordem Constitucional, persistem vigentes e eficazes, em face do fenômeno da recepção. Renovando-as, a nova ordem constitucional devolve-lhes de imediato a eficácia. Obviamente, as normas precedentes incompatíveis não são recepcionadas pela nova ordem, perdendo vigência e eficácia.

            Nesse passo, discute-se se a Constituição nova revoga as normas anteriores incompatíveis. Com ou sem revogação, porém, não há dúvida de que essas normas, por incompatibilidade com a lei magna, perdem eficácia.

            A CF atual provocou profundas alterações no sistema processual, algumas dependendo de complementação legislativa, outras de eficácia plena. Destacam-se: a) titularidade absoluta da ação penal pelo MP (CF, art. 129, I), com abolição dos processos criminais instaurados pela Polícia ou pelo Juiz, tendo como conseqüência, a supressão do disposto no art. 17 da LCP e arts. 26 e 530-531 do CPP; b) a proibição de identificação criminal de pessoa com identificação civil (CF., art. 5º, LVIII), com reflexo no art. 6º, VIII, do CPP; c) a impossibilidade de prisão pela autoridade que preside o inquérito, prevista pela LSN, em face do inc. LXI do art. 5º; d) a necessária adequação dos arts. 186 e 198 do CPP à plena garantia do direito ao silêncio, garantido pelo art. 5º, LXIII, da CF; e) a perda de eficácia do art. 240, f, do CPP, em face da inviolabilidade absoluta do sigilo de correspondência (art. 5º, XII); a compatibilização das normas atinentes às buscas domiciliares (CPP. 240/241), em consonância com regra do mando judicial (art. 5º, XI).

            Podemos, assim, agrupar os inúmeros dispositivos constitucionais, relativos ao sistema processual,  em três categorias:

            a) princípios e garantias constitucionais do processo (devido processo legal, contraditório, ampla defesa, inafastabilidade do controle jurisdicional; presunção de inocência do acusado; dever de motivação das decisões judiciais, vedação de provas ilícitas etc.);

            b) jurisdição constitucional das liberdade (habeas-corpus, mandado de segurança individual e coletivo, habeas-data, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, ação de inconstitucionalidade por omissão etc.);

            c)  organização judiciária (inovando na estrutura judiciária nacional, com a criação do STJ, TRF e o juiz de paz eletivo, autorizando a instituição de juizados especiais para causa cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.

V – NORMA PROCESSUAL

8. Norma Processual: natureza e objeto

8.1       Norma material e norma instrumental

            Objeto imediato: distinguem-se, geralmente, as normas jurídicas em normas materiais e normas instrumentais. Aquelas, normas materiais, são as contidas, em regra, no Direito material que disciplinam as relações entre as pessoas e os direitos e as obrigações, visando prevenir conflitos entre os titulares desses direitos e obrigações, apontando, em caso de divergência entre os pretensos titulares, qual dos interesses conflitantes, e em que medida, deve prevalecer e qual deve ser sacrificado. As normas instrumentais, por seu turno, são as contidas, em regra, no Direito Processual que, apenas de forma indireta, contribuem para a resolução dos conflitos interindividuais, mediante a disciplina da criação e atuação das diretrizes jurídicas gerais ou individuais destinadas a compô-los de imediato.

            Pode-se dizer que, na categoria das normas instrumentais incluem-se as normas processuais que regulam a imposição da regra jurídica individual e concreta aplicável a uma determinada situação litigiosa.

            Pelo prisma da atividade jurisdicional, em que se desenvolve o processo, percebe-se que as normas jurídicas materiais constituem o critério de julgar, de modo que, uma vez inobservadas pelo julgador, dão lugar ao error in iudicando; ao passo que as normas jurídicas processuais constituem o critério do proceder, de maneira que, em sendo desobedecidas, ensejam a ocorrência do error in procedendo.
                       
8.2       Natureza da norma processual

            A norma processual tem a natureza de direito público, o que significa que a relação jurídica que se estabelece no processo não é uma relação de coordenação apenas, mas de poder de sujeição, predominando o interesse público (resolução processual e, pois, pacífica do conflito) sobre os interesses divergentes do litigantes. Isto não significa, porém, que a norma processual seja sempre de aplicação necessariamente cogente. Em certas situações, embora inexista processo convencional, admite-se que a aplicação da norma processual fique na dependência da vontade das partes (normas dispositivas). Ex. distribuição do ônus da prova (art. 333, § ún.); eleição do foro (art. 111).

8.3       Objeto da norma processual

            O objeto das normas processuais é a disciplina do modo processual de resolver os conflitos e controvérsias mediante a atribuição ao juiz dos poderes necessários para resolvê-los e, às partes, de faculdades e poderes destinados à eficiente defesa de seus direitos, além da correlativa sujeição à autoridade exercida pelo juiz. A norma jurídica qualifica-se por seu objeto e não por sua localização neste ou naquele corpo de leis.

            É praxe falar-se em três classes de normas processuais: a) normas de organização judiciária, que tratam primordialmente da criação e estrutura dos órgãos judiciários e seus auxiliares; b) normas processuais em sentido estrito, que cuidam do processo como tal, atribuindo poderes e deveres processuais; c) normas procedimentais, que dizem respeito apenas ao modus procedendi, inclusive a estrutura e coordenação dos atos processuais que compõem o processo.
           
            VI – FONTES DA NORMA PROCESSUAL

9.1       Fontes do direito em geral

            Fontes são os meios pelos quais se formam ou pelos quais se estabelecem as normas jurídicas. Fontes do Direito, portanto, nada mais são que as formas pelas quais as regras jurídicas se exteriorizam, se apresentam. São, enfim, modos de expressão do Direito.

            Várias são as classificações dessas fontes. Ao nosso estudo interessa a divisão das fontes em fontes diretas ou imediatas e fontes indiretas ou mediatas.

            Fontes diretas ou imediatas são as constituídas pela lei (lei em sentido amplo, incluindo a Constituição e as leis em geral, inclusive os atos normativos do poder executivo), emanada de qualquer órgão estatal na esfera de sua própria competência. Como fonte direta ou imediata também se inclui o negócio jurídico.

            Fontes indiretas ou mediatas são aquelas que, embora não contenham a norma, produzem-na indiretamente. Assim são considerados como tais: os costumes, a jurisprudência e os princípios gerais de direito.

            Costume é o uso geral, constante e notório, observado sob  a convicção de corresponder a uma necessidade jurídica. Ninguém contesta o extraordinário valor do costume na formação do Direito, porquanto, até a organização do Estado, o Direito nada mais era que um “estratificação dos costumes”, e, ademais, os corpos legislativos da antigüidade mais remota foram condensações dos costumes [CC, arts. 588 (§ 2º); 1.192 (II); 1.210, 1.215, 1.218, 1.219, 1.221 e 1.242: costume secundum legem][3].

            Jurisprudência é aquele reiterado pronunciamento dos órgãos jurisdicionais sobre casos idênticos. Há quem conteste a força criadora da decisão judicial, mas a doutrina majoritária a concebe como tal fonte indireta do direito.

            Princípios Gerais do Direito. Não há na doutrina uniformização conceitual a respeito dos princípios gerai do direito. Entretanto, a maioria identifica-os com os brocardos jurídicos “que nada mais representam que a condensação de soluções e de noções tradicionais do nosso ordenamento jurídico. No caso, tais princípios seriam aqueles que servem de base e fundamento à legislação vigente.

            O direito não se confunde com a lei, nem a esta se reduz aquele. Em nosso direito, contudo, adota-se o primado da lei sobre as demais fontes do direito (positivismo).

9.2                   Fontes  da norma processual
           
            As fontes  diretas da norma processual são as mesmas do direito em geral: A lei, negócio jurídico, como fonte diretas, e, como fontes indiretas os costumes, para alguns, a jurisprudência e os princípios gerais do direito..

            A lei, em sentido amplo, como fonte abstrata da norma processual, abrange, em primeiro lugar, as disposições de ordem constitucional sobre o processo, divididas em três ordens: a) princípios e garantias; b) jurisdição constitucional das liberdades; c) organização judiciária. Também a Lei Compl. e as demais espécies legislativas, inclusive as Constituições Estaduais, podem ser consideradas fontes formais da norma processual. No mesmo plano das leis em geral, são fontes legislativas da norma processual as convenções e tratados internacionais.

            Por último, ainda no plano materialmente legislativo, embora subjetivamente judiciário, há também o poder normativo atribuído aos Tribunais em geral que, através de seu regimento interno, disciplinam as chamadas questões interna corporis.

10.                               EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO E NO TEMPO

10.1      Dimensões da norma processual - A norma jurídica tem eficácia limitada no espaço e no tempo, ou seja, aplica-se apenas dentro de dado território e por um certo período de tempo. Tais limitações também se aplicam à norma processual.

10.2      Eficácia da norma processual no espaço - O critério que regula a eficácia espacial das normas de processo é o da territorialidade, que impõe sempre a aplicação da lex fori. No que concerne às leis processuais a aplicação desse princípio justifica-se por uma razão de ordem política e por outra de ordem prática.

            Num primeiro plano, a norma processual tem por escopo precisamente a disciplina da atividade jurisdicional que se desenvolve através do processo, como manifestação soberana do poder estatal  e por isso, obviamente, não poderia ser regulada por leis estrangeiras sem inconvenientes para a boa convivência internacional.

            Em segundo lugar, certamente, surgiriam dificuldades de ordem prática quase insuperáveis com a movimentação da máquina judiciária de um Estado soberano mediante atividades regidas por normas e institutos do direito alienígena. Ex.: o transplante para o Brasil de uma ação de indenização proposta de acordo com as leis americanas, com a instituição do júri civil.

            A territorialidade da aplicação da lei processual é expressa pelo art. 1º do Código de Processo Civil, assim transcrito: "a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece", bem como pelo art. 1º do CPP: "O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este código ...".

            Isso não significa, porém, que o juiz nacional deva, em qualquer circunstância, ignorar a regra processual estrangeira. Em determinadas situações ele tem até por dever referir-se à lei processual alienígena, como quando esta constitui pressuposto para a aplicação da lei nacional (cfr, CPC, art. 231, § 1º).

            Não se confunde com a aplicação da lei processual extranacional a aplicação da norma material estrangeira referida pelo direito processual brasileiro: ex.: quando o art. 7º do Código de Processo Civil alude à capacidade das partes para o exercício dos seus direitos, pode ensejar que a capacidade seja aferida conforme critérios estabelecidos pela lei civil estrangeira (tb. CPC, art. 337). A intrincada disciplina que rege a aplicação da lei estrangeira, que integra o direito internacional privado, é regulada, no Brasil, pelos arts. 7-11 da Lei de Introdução do Código Civil.

10.3      Eficácia da norma processual no tempo - Como as normas jurídicas em geral, as normas processuais são limitadas também no tempo, respeitadas as regras que compõem o direito processual intertemporal:

            a) A LICC disciplina a eficácia temporal das leis. Salvo disposição em contrário, a lei processual começa a vigorar, em todo o país, quarenta e cinco dias depois de publicada; se, antes de entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, o prazo começará a correr da nova publicação (LICC, art. 1º e §§ 3º e 4º);

            b)  incidindo sobre situações (conceitualmente) idênticas, surge o problema de estabelecer qual das leis - se a anterior ou a posterior - deve regular uma determinada situação concreta. Como o processo se constitui por uma série de atos que se desenvolvem e se praticam sucessivamente no tempo (atos processuais, integrantes de uma cadeia unitária, que é o procedimento), torna-se particularmente difícil e delicada a solução do conflito temporal de leis processuais.

            Sem dúvida, as leis processuais novas não incidem sobre processos findos, acobertados seja pela coisa julgada, seja pela garantia ao ato jurídico perfeito, seja  pelo direito adquirido, reconhecido pela sentença ou resultante dos atos executivos. Os processos a serem iniciados na vigência da lei nova por esta serão regulados.

            Questão que se coloca é apenas no tocante aos processos em andamento por ocasião do início de vigência da lei nova. Três sistemas diferentes poderiam hipoteticamente ter aplicação, na resolução do problema: a) o da unidade processual, segundo o qual, apesar de se desdobrar em uma série de atos diversos, o processo apresenta tal unidade que somente poderia ser regulado por uma única lei, a nova ou a velha, de modo que a velha teria de se impor para não ocorrer a retroação da nova, com prejuízo dos atos já praticados até sua vigência; b) o das fases processuais, para o qual distinguir-se-iam fases processuais autônomas (postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal), cada uma suscetível, de per si, de ser disciplinada por uma lei diferente; c) o do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases processuais.

            Esse último sistema tem contado com a adesão da maioria dos autores e foi expressamente consagrado pelo art. 2º do Código de Processo Penal: " a lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". E, conforme entendimento de geral aceitação pela doutrina brasileira, o dispositivo transcrito contém um princípio geral de direito intertemporal que também se aplica, como preceito de superdireito, às normas de direito processual civil. Ver art. 1211 do CPC, confirmando a regra ao estabelecer que: "ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes".

11.                               INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

11.1                             Interpretação da lei, seus métodos e resultados

            Interpretar a lei consiste em determinar o seu significado e fixar o seu alcance. É descobrir ou revelar a vontade contida na norma, ou como diz Clóvis Bevilacqua, é revelar o pensamento que anima as suas palavras. A interpretação pode ser: a) autêntica – quando feita pelo próprio legislador; b) doutrinal – é a feita pelos juris scriptores, pelos comentadores, pelos doutrinadores. A interpretação doutrinal, produto de pesquisas dos juristas, é de valor enexcedível. E seu prestígio será tanto maior quanto maior for o seu prestígio; c) judicial – é aquela levada a efeito pelos juízes e Tribunais na solução dos casos concretos, dentro dos processos. Embora não exista ainda a súmula vinculante, é ela de extraordinária importância, pois quando uniforme, duradoura e repetida, forma a jurisprudência, que, segundo alguns, pode ser considerada como fonte do direito.

            Como as leis se expressam por meio de palavras, o intérprete deve analisá-las, tanto individualmente como na sua sintaxe: é o (1)  método gramatical ou filológico.

            Quando o intérprete se serve de regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei, fala-se em (2) interpretação lógica ou teleológica, porquanto visa precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifestada. A interpretação lógica no furto privilegiado/qualificado. A lógica que rege a interpretação é a lógica dos fatos, é a viva voz da realidade. Mesmo na interpretação gramatical ou literal a lógica deve ser levada em conta.

Por outro lado, os dispositivos legais não têm existência isolada, mas inserem-se organicamente em um sistema, que é o ordenamento jurídico, em recíproca dependência com as demais regras de direito que o integram. Aqui, o intérprete deve pôr a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com elas. Assim, para serem entendidos devem ser examinados em suas relações com as demais normas que compõem o ordenamento e à luz dos princípios gerais que o informam: é o (3)  método sistemático ou lógico-sistemático.

Ademais, considerando que o direito é um fenômeno histórico-cultural, obviamente que a norma jurídica somente se revela por inteiro quando colocada a lei na sua perspectiva histórica, com o estudo das vicissitudes sociais de que resultou e das aspirações a que correspondeu: é o (4)  método histórico. A pesquisa do processo evolutivo da lei, ou seja, a história da lei ou a história dos seus precedentes auxilia o aclaramento na norma. Os projetos de leis, as discussões durante sua elaboração, Exposição de Motivos, as obras científicas do autor da lei são elementos valiosos de que se vale o intérprete para a interpretação.

            Não se poderia olvidar também que os ordenamentos jurídicos, além de enfrentarem problemas comuns ou análogos, avizinham-se e se influenciam mutuamente: partes-se, portanto, para o (5)  método comparativo.

            A combinação de todas essas pesquisas, aliada à consciência do conteúdo finalístico e valorativo do direito, completa a atividade de interpretação da lei.

Segundo o resultado dessa atividade, a interpretação será declarativa, extensiva, e restritiva.

            É declarativa a interpretação que atribui à lei o exato sentido proveniente do significado das palavras que a expressam.

            É extensiva quando a interpretação considera a lei aplicável a casos que não estão abrangidos pelo seu teor literal.

            É restritiva a interpretação que limita o âmbito de aplicação da lei a um círculo mais restrito de casos do que o indicado pelas suas palavras.
           
12.                               Interpretação e integração

12.1                 O Direito e as lacunas da Lei

            O direito, considerado como ordenamento jurídico, não apresenta lacunas: sempre haverá no ordenamento jurídico, ainda que latente e inexpressa, uma regra para disciplinar cada possível situação ou conflito entre pessoas.

            O mesmo não acontece com a lei; por mais imaginativo e previdente que fosse o legislador, jamais conseguiria através da norma jurídica todas as situações que a multifária riqueza da vida social, nas suas constantes mutações, poderá ensejar. Muitas vezes depara-se com situações conflituosas não previstas pelo legislador. Mas, como é intolerável a permanência de situações indefinidas perante o direito, torna-se então necessário o preenchimento da lacuna da lei. A  essa atividade dá-se o nome de integração. " O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei" (CPC, art. 126).

            E o preenchimento das lacunas da lei faz-se, basicamente, através da analogia e dos princípios gerais do direito. A analogia consiste na resolução de um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante. Por coerência, chega-se à formulação de regras idênticas onde se verifica a identidade da razão jurídica. Distingue-se a interpretação extensiva da analogia, no sentido de que a primeira é extensiva do significado textual da norma e a última é extensiva da intenção do legislador, da própria disposição. Se a analogia não permite a solução do problema, deve-se recorrer aos princípios gerais do direito, que compreendem não apenas os princípios decorrentes do próprio ordenamento jurídico, como ainda aqueles que o informam e lhe são preexistentes e transcendentes.

            Interpretação e integração comunicam-se funcionalmente e se completam mutuamente para os fins de revelação do direito. Ambas têm caráter criador, no campo jurídico, pondo em contato direto as regras de direito e a vida social e assim extraindo das fontes a norma que regem os casos submetidos a exame.

12.2                 Interpretação e integração da lei processual


            São as mesmas regras de interpretação e integração dos demais ramos do direito que se aplicam à exegese do  direito processual. Aliás, o art. 3º do CPP, para evitar dúvidas deixou explícito: " a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito".

            Prevalece o entendimento entre os processualistas no sentido de acentuar a relevância da interpretação sistemática da lei processual. Os princípios gerais do processo, inclusive aqueles ditados em nível constitucional, estão presentes em toda e qualquer norma processual e à luz dessa sistemática geral todas as disposições processuais devem ser interpretadas.              

13.                               DA    JURISDIÇÃO      

13.1                  Conceito de jurisdição:

            A Jurisdição, já delineada em sua finalidade fundamental, no decorrer de nossas aulas, podemos arrematar dizendo que se trata de uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos  titulares dos interesses em disputa para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.

            Essa pacificação é realizada mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).
       
            Já dissemos que a jurisdição é uma função do Estado e seu monopólio. Além disso, podemos dizer que a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade.

            Como poder, a jurisdição é a manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E, como atividade, a jurisdição é entendida como  o complexo de atos ao juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. Esses três atributos somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal).

            Jurisdição é, pois, ato de soberania. Consiste em um poder-dever do Estado, através do Poder Judiciário, de declarar e fazer efetivo o direito, aplicando a lei aos casos concretos.

13.2                 Principais características da Jurisdição:

            a) Caráter substitutivo da jurisdição: Ao exercer a jurisdição, o Estado substitui, como uma atividade sua,  as atividades daqueles que estão envolvidos no conflito trazido à sua apreciação. Não cumpre a nenhuma das partes interessadas dizer definitivamente se a razão está com uma ou com a outra; nem pode, senão excepcionalmente, quem tem uma pretensão invadir a esfera jurídica alheia para satisfazer-se. Apenas o Estado pode, como vimos, em surgindo o conflito, substituir-se às partes e dizer qual delas tem razão.

            Essa proposição, que no processo civil encontra algumas exceções (casos raros de autotutela, e de autocomposição), é de validade absoluta no processo penal: Não é possível o exercício do direito de punir independentemente do processo e não pode o acusado submeter-se voluntariamente à aplicação da pena.
                       
            b) Escopo jurídico de atuação do direito: O Estado, ao instituir a jurisdição visou a garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzam aos resultados nelas enunciados, ou seja: que se atinjam, na experiência concreta, aqueles resultados práticos que o direito material preconiza. O escopo jurídico, pois, da jurisdição é a atuação (cumprimento, realização) das normas de direito substancial (direito objetivo).  Em outras palavras: o escopo da jurisdição seria, então, a correta aplicação do direito e a justa composição da lide, ou seja, o estabelecimento da norma de direito material que disciplina o caso, dando a cada um o que é seu.

13.3                 Outras características da jurisdição (lide, inércia, definitividade)

            c) Lide: A existência do conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida é uma característica constante na atividade jurisdicional, quando se trata de pretensões insatisfeitas que poderiam ter sido atendidas espontaneamente pelo obrigado. É esse conflito de interesses que leva o suposto prejudicado efetivo ou virtual a dirigir-se ao juiz e a pedir-lhe a tutela jurisdicional, solucionando a pendência; e é precisamente a contraposição dos interesses em conflito que exige a substituição das atividades dos sujeitos conflitantes pelo Estado.

            d) Inércia:  é também característica da jurisdição o fato de que os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio). Isto significa que a o exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo contraproducente, pois sendo sua finalidade a pacificação social, sua atuação sem a provocação do interessado viria, em muitos casos, fomentar conflitos e discórdias, lançando desavenças onde não existiam.

            Além disso, a experiência ensina que quando o próprio juiz toma a iniciativa de instaurar o processo ele se liga psicologicamente de tal maneira à idéia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições para julgar imparcialmente. Por isso, fica geralmente ao critério do próprio interessado a provocação do Estado-juiz ao exercício da função jurisdicional: assim como os direitos subjetivos são em princípio disponíveis, podendo ser exercidos ou não, também o acesso aos órgãos jurisdicionais fica entregue ao poder dispositivo do interessado.

            Mas mesmo no tocante aos direitos indisponíveis a regra da inércia jurisdicional prevalece.  É certo que o titular da pretensão punitiva (Ministério Público) não tem sobre ela o poder de livre disposição, de modo que pudesse cada promotor, a seu critério, propor ação penal ou deixar de fazê-lo. Vige aí o chamado princípio da obrigatoriedade, que subtrai do órgão titular da pretensão punitiva a apreciação da conveniência e oportunidade da instauração do processo para a persecução dos delitos de que tenta notícia.

            Mesmo assim, todavia, o processo não se instaura ex officio, mas mediante provocação do Ministério Público (ou do ofendido, nos casos excepcionais de ação penal de iniciativa privada).

            É, então, sempre uma insatisfação que motiva a instauração do processo. O titular de uma pretensão (penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa, etc.) vem a juízo pedir a prolação de um provimento que, eliminando a resistência, satisfaça a sua pretensão e com isso elimine o estado de insatisfação

            É, assim, através da ação que se vence a inércia a que estão obrigados os órgãos jurisdicionais através de dispositivos legais como o do art. 2º do CPC ("nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais")e o do art. 24 e 30 do CPP os quais estabelecem quem são os titulares da ação penal.

            Somente em casos especialíssimos, a própria lei institui certas exceções à regra da inércia dos órgãos jurisdicionais. Assim, v.g., pode o juiz, de ofício, declarar a falência de um comerciante, quando, no curso do processo de concordata, verifica que falta algum requisito para esta (LF, art. 162); a execução trabalhista pode instaurar-se por ato do juiz (CLT, art. 878); o habeas corpus pode conceder-se de ofício (CPP, art. 654, § 2º); a execução penal também se instaura de ofício, ordenando o juiz a expedição da carta de guia para o cumprimento da pena (LEP, art. 105).

            e) Definitividade:  outra característica importante da jurisdição é que  os atos jurisdicionais e eles são suscetíveis de se tornarem imutáveis, não serem revistos ou modificados. A CF, como a da generalidade dos países, estabelece que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5º, inc. XXXVI). Coisa julgada é a  imutabilidade dos efeitos de uma sentença, em virtude da qual nem as partes podem repropor a mesma demanda em juízo ou comportar-se de modo diferente daquele preceituado, nem os juízes podem voltar a decidir a respeito, nem o próprio legislador pode emitir preceitos que contrariem, para as partes, o que já ficou definitivamente julgado. No Estado de Direito, só os atos jurisdicionais podem chegar a esse grau  de imutabilidade. Ao judiciário cabe a última palavra.

14.                               PRINCÍPIOS INERENTES À JURISDIÇÃO

 14.1     A jurisdição, como função estatal de dirimir conflitos interindividuais, é informada por alguns princípios fundamentais que, com ou sem expressão na própria lei, são universalmente reconhecidos. Ei-los: a) investidura; b) aderência ao território;  indelegabilidade; d) inevitabilidade; e) inafastabilidade ou indeclinabilidade; f) juiz natural; g) inércia.
           
14.1.1   O princípio da investidura significa que a jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz.

14.1.2 O princípio da aderência ao território corresponde à limitação da própria soberania nacional ao território do país. Como os demais órgãos dos demais poderes constitucionais, os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado. Além disso, como os juízes são muitos no mesmo pais, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou seções judiciárias (Justiça Federal), também se infere daí que cada juiz só exerce a sua autoridade nos limites do território sujeito por lei à sua jurisdição. Atos fora do território em que o juiz exerce a jurisdição depende da cooperação do juiz do lugar (carta precatória e rogatória).

14.1.3 O princípio da indelegabilidade resulta do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Como dos demais Poderes, a CF. fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário e não pode a lei, nem pode muito menos alguma deliberação dos seus próprios membros alterar a distribuição feita naquele nível jurídico-positivo superior. Nem mesmo pode um juiz, atendendo seu próprio critério e talvez atendendo à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. É que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio, mas o faz em nome do Estado, agente deste que é.

            Exceções: delegação pelo STF, de competência para execução forçada (art. 102, inc. I, m), e as dos arts. 201 e 492 do Código de Processo Civil (cartas de ordem). A realização de atos judiciais através de Carta Precatória não pressupõe delegação de poderes, mas impossibilidade de praticar ato processual fora dos limites da comarca (limite territorial do poder), urgindo que o juiz deprecante peça a cooperação do órgão jurisdicional competente. Seria contra-senso afirmar que o juiz delega um poder que ele próprio não tem, por ser incompetente.

14.1.4 O princípio da inevitabilidade significa que a autoridade dos órgãos jurisdicionais, sendo uma emanação da soberania estatal, impõe-se por si mesma, independentemente da vontade das partes ou de eventual pacto de aceitarem os resultados do processo; a situação das partes perante o Estado-juiz é de sujeição, que independe de sua vontade e consiste na impossibilidade de evitar que sobre elas e sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal.

14.1.5   O princípio da inafastabilidade da jurisdição (ou princípio do controle jurisdicional ou princípio da indeclinabilidade), expresso no art. 5º, XXXV, da CF, garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir  solução para ela. Não pode a lei "excluir da apreciação do Poder judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito", nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (CPC, art. 126).

14.1.6 O princípio do juiz natural assegura que ninguém pode ser privado do julgamento por juiz independente e imparcial, indicado pelas normas constitucionais e legais, proibindo a CF os denominados tribunais de exceção, instituído para o julgamento de determinadas pessoas ou de crimes de determinada natureza, sem previsão constitucional (art. 5º, XXXVII).

14.1.7   Do princípio da inércia, já falamos muito, o qual está relacionado com a justa composição da lide e a imparcialidade do juiz que estariam comprometidas se se cometesse ao julgador a incumbência de agir de ofício, sem a provocação do interessado na solução do litígio.

14.2                 Extensão da jurisdição

            No direito romano, a jurisdição não abrangia o poder do juiz tornar efetiva a atividade jurisdicional, através do processo de execução do julgado. A pouca participação que inicialmente tinha o juiz na execução forçada fundava-se em outro poder (imperium) e não na jurisdição. Essa idéia persistiu no direito intermédio francês, no italiano e no alemão. Atualmente, prevalece largamente a opinião dos que consideram a execução autêntica atividade jurisdicional.

14.3                 Elementos da jurisdição e poderes jurisdicionais

            Considerando que o direito pátrio utiliza o termo jurisdição para exprimir o conhecimento da causa, seu julgamento e execução, assim como o poder-dever de impor as sanções legais, a doutrina conclui que as autoridades judiciárias têm a jurisdição dos romanos e o imperium, que compreende: o direito de conhecer, ordenar, julgar, punir, e constranger à execução.

14.3.1 Elementos da jurisdição: conforme clássica concepção, a jurisdição é composta dos seguintes elementos:
a)                 Notio – que significa a faculdade de conhecer certa causa, ou de ser regularmente investido na faculdade de decidir uma controvérsia, aí compreendidos a ordenar os atos respectivos.
b)                 Vocatio – quer dizer a faculdade de fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade.
c)                 Coercio – (ou coertitio) – que é o direito de fazer-se respeitar e de reprimir as ofensas feitas ao magistrado no exercício de suas funções: jurisdictio sine coertitio nula est.
d)                 Iudicium – direito de julgar e de pronunciar a sentença.
e)                 Executio – direito de em nome do poder soberano, tornar obrigatória e coativa a obediência à próprias decisões.

14.4Poderes da jurisdição: a doutrina moderna elenca três poderes jurisdicionais, que são:
a)                 Poder de decisão – que significa que o Estado-juiz, através da provocação do interessado, em derradeira análise, afirma a existência ou a inexistência de uma vontade concreta da lei, por dois modos e com diferentes efeitos. Por um desses modos afirma uma vontade concernente às partes, através de uma decisão de mérito, com efeito de “coisa julgada”, significando que a sentença se tornou irrevogável (coisa julgada formal), e reconhecendo um bem a uma parte , tem o efeito de garanti-lo para o futuro, no mesmo ou em outros processos (coisa julgada material ou substancial). Pelo outro dos modos, afirma uma vontade da lei referente ao dever do juiz de pronunciar-se quanto ao mérito das questões que lhe são trazidas à apreciação. Aqui, o juiz se pronuncia sobre a sua própria atividade, como um dever inerentes à sua função, não reconhecendo, nem negando o bem da vida à parte. Essa decisão, quando se torna irrevogável, não produz “coisa julgada substancial”, operando apenas a preclusão da questão, com efeitos limitados ao processo, sem obrigar outros processos.
b)                 Poder de coerção (ou poder de polícia) – manifesta-se com maior intensidade no processo de execução, embora também presente no processo de cognição. Ex. o ato de notificação e citação. Se o destinatário se recusa a receber materialmente o mandado, esse comportamento gera o efeito de ser considerado entregue. Como decorrência desse poder, o juiz pode determinar a remoção de obstáculos opostos ao exercício de suas funções. Os presentes à audiência (partes, advogados, ou qualquer outro profissional ou pessoa)  estão sujeitos ao poder de quem a preside, que pode admoestá-los e até mandá-los retirar-se do recinto. A testemunha tem o dever de comparecer à audiência, sob pena de condução coercitiva. O órgão jurisdicional pode requisitar a força policial para vencer qualquer resistência ilegal à execução de seus atos.
c)                 Poder de documentação – é aquele que resulta da necessidade de documentar, de modo a fazer fé, de tudo que ocorre perante os órgãos judiciais ou sob sua ordem (termos de assentada, de constatação, de audiência, de provas, certidões de notificações, de citações etc.)

14.5   Espécies de jurisdição

14.5.1   Unidade da jurisdição – como expressão da soberania estatal, a jurisdição não comporta divisões. Falar em diversas jurisdições seria o mesmo que afirmar a existência de uma pluralidade de soberanias, o que não faria sentido. A jurisdição é, portanto, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano. A doutrina, porém, fazendo embora tais ressalvas,  costuma falar em espécies de jurisdição, como se esta comportasse classificação em categorias.

            Classifica-se, pois, a jurisdição nas seguintes espécies: a) pelo critério do seu objeto em jurisdição penal ou civil; b) pelo critério dos organismos judiciários que a exercem, em especial ou comum; c) pelo critério da posição hierárquica dos órgãos que a exercem , em inferior e superior; d) pelo critério da fonte do direito com base na qual é proferido o julgamento, em jurisdição de direito ou de eqüidade.

14.5.2   Jurisdição penal ou civil – a atividade jurisdicional é exercida tendo por objeto uma pretensão que varia de natureza conforme o direito objetivo material em que se fundamenta. Há, assim, causas penais, civis, comerciais, administrativas, tributárias etc. Com base nisso, é comum dividir-se o exercício da jurisdição os juízes, dando a uns a competência para apreciar as pretensões de natureza penal e a outros as demais. Fala-se, assim, em jurisdição penal (causas penais, pretensões punitivas) e jurisdição civil (por exclusão, causas e pretensões não-penais). A expressão "jurisdição civil", aí, é empregada em sentido bastante amplo, abrangendo toda a jurisdição não-penal.

            A jurisdição penal é exercida pelos juízes estaduais comuns, pela Justiça Militar estadual, pela Justiça Militar federal, pela Justiça Federal e pela Justiça Eleitoral; em suma, apenas a Justiça do Trabalho é completamente desprovida de competência penal. A jurisdição civil, em sentido amplo,  é exercida pela Justiça estadual, pela Justiça federal, pela Justiça Trabalhista e pela Eleitoral; só a Justiça Militar  não a exerce.

14.5.3   Relacionamento entre jurisdição penal e civil – apenas por conveniência de trabalho se justifica a distribuição dos processos segundo esse e outros critérios, pois na realidade não é possível isolar-se completamente uma relação jurídica de outra, um conflito interindividual de outro na certeza de que nunca haverá pontos de contato entre eles. Em verdade o ilícito penal não difere em substância do ilícito civil, sendo distinta apenas a sanção que os caracteriza; a ilicitude penal é, ordinariamente, mero agravamento de uma preexistente ilicitude civil, destinada a reforçar as conseqüências da violação de dados valores, que o Estado faz especial empenho de preservar.

            Assim, quando alguém pratica um furto emergem daí duas conseqüências que, perante o direito, o agente deve suportar: a) obrigação de restituir o objeto furtado (natureza civil); b) sujeição às penas do art. 155 do Código Penal. Outro exemplo: a quem contrai novo casamento, sendo casado, o direito impõe duas conseqüências: a) a nulidade do segundo casamento - CC, art. 183, VI (sanção civil); b) sujeição à pena de bigamia (CP, art. 235).

            Do exposto resulta que não seria conveniente atribuir competência civil a determinados juízes e penal a outros, sem deixar qualquer traço de contato entre eles, não possibilitando qualquer influência da esfera cível na penal ou vice-versa. Assim, o sistema, em alguns dispositivos legais, estabelece, ora a prevalência da decisão civil como prejudicial da decisão penal, ora dispõe que o decidido na campo penal faz coisa julgada no cível.

            Assim, se alguém está sendo processado criminalmente e para o julgamento dessa acusação seja relevante o deslinde de uma questão cível, determina-se a suspensão do processo criminal até a solução da pendência agitada no processo cível (CPP, art. 92 a 94).

            Vejam por exemplo um caso em que alguém esteja sendo acusado de ter cometido um crime de bigamia e alegue que o primeiro casamento era nulo. Em sendo verdadeira a alegação, inexiste o crime (CP, art. 235, § 2º). Contudo, não compete ao juiz criminal perquirir a validade do casamento, nem o processo-crime é meio adequado para a anulação de qualquer do matrimônio. Nessa hipótese, o processo criminal se suspende, "até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado" (CPP, art. 92).

            Por outro lado, às vezes, a sentença penal condenatória passada em julgado também tem eficácia no esfera cível. O art. 91, I, do CP dá como efeito secundário da sentença penal condenatória "tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime". Isso significa que a condenação criminal corresponderá a uma sentença no cível que declare a existência de dano a ser ressarcido (embora sem precisar o quantum debeatur). Passada em julgado a condenação, a autoridade da coisa julgada estende-se também à possível pretensão civil, de modo que não se poderá mais questionar, em processo algum, sobre a existência da obrigação de indenizar. Se o réu for absolvido no crime, da mesma forma, dependendo do fundamento da absolvição, ter-se-á por definitivamente julgada a pretensão civil: é o que ocorre quando a sentença penal reconhece que o ilícito imputado ao réu não foi praticado - inexistência material do fato  ( CPP, art. 66), ou que ele não foi seu autor - negativa de autoria - (CC, art. 1525), ou ainda que, nas circunstâncias em que o fato se deu, não havia ilicitude (antijuridicidade), tendo o réu agido em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de um direito (CPP, art. 65, c/c. arts. 160, 1.519, 1.520 e 1.540, do Código Civil).

            Em face da ambivalência da decisão  criminal, em algumas hipóteses, por conveniência, a lei possibilita que o processo civil aguarde a solução da causa penal (CPP, art. 64 e § ún.).

            Outro ponto de contato é a chamada prova emprestada que é aquela produzida em um processo e que pode ser utilizada em outro, desde que com sua utilização não se venha a surpreender uma pessoa que não fora parte no primeiro, é possível, pois, que, mediante certidões, se levem do processo crime para o civil e vice-versa contra o mesmo réu os elementos de convicção já produzidos, sem necessária repetição.

            Nesse mesmo sentido,  a prova da falsidade de um documento, realizada num processo-crime por delito de falso em suas várias modalidades (CP, arts. 297-298, 299, 300, 304, 342), é o bastante para a ação rescisória civil, desnecessitando da sua repetição no curso desta (CPC, art. 485, inc. VI).

            Ainda, como exemplo de interação entre a jurisdição civil e penal, temos a disciplina do processo criminal por crimes falimentares. A ação penal, no caso, "não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á quando reformada a sentença que a tiver decretado" (CP, art. 507). A sentença,  pois,  declaratória de falência é verdadeira condição objetiva de punibilidade e de procedibilidade da ação. Nesse exemplo, o estado de comerciante e de falido, reconhecido na sentença civil, não poderá ser objeto de discussão no processo-crime (CPP, art. 511).

14.5.4 Jurisdição especial ou comum – os vários organismos judiciários são instituídos pela Constituição Federal, constituindo cada um deles unidade administrativa autônoma e recebendo da Lei Magna os limites de sua competência.

            Temos, pois, em consideração às regras constitucionais de competência, a jurisdição especial e  jurisdição comum. Entre as primeiras estão a  Justiça Eleitoral (arts. 118-121), a Justiça do Trabalho (arts. 111-117) e as Justiças Militares Federal (arts. 122-124) e Estaduais (art. 125, § 3º); no âmbito da jurisdição comum estão a Justiça Federal (arts. 106-110) e as Justiças Estaduais ordinárias (arts. 125-126).
                       
14.5.5   Jurisdição superior o inferior – é natural o inconformismo do ser humano perante decisões desfavoráveis, desejando, muitas vezes, nova oportunidade para demonstrar as suas razões e tentar fazer valer a sua pretensão. Por isso, em geral, os ordenamentos jurídicos instituem o duplo grau de jurisdição, princípio consistente na possibilidade de um mesmo processo, após julgamento pelo juiz inferior perante o qual teve início, voltar a ser objeto de julgamento, agora por órgãos de instância superior do Poder Judiciário.

            Jurisdição inferior é aquela exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde seu início (competência originária); Na Justiça Estadual são os juízes de direito das comarcas distribuídas por todo o Estado, inclusive na comarca da Capital. Jurisdição superior é a exercida pelos órgãos competentes para conhecerem dos recursos interpostos contra as decisões proferidas na jurisdição inferior pelos juízes da recursais

14.5.6   Jurisdição de direito ou de eqüidade - "O  juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei" (CPC, art. 127). Por eqüidade significa  decidir sem as limitações impostas pela rígida regulamentação legal; isso é permitido quando o legislador deixa de traçar na lei a exata disciplina de determinados institutos, deixando uma certa liberdade para a individualização da norma através dos órgãos judicantes (CC, arts. 400 e 1.456)[4].

            No direito anterior, quando devesse decidir por eqüidade, o juiz aplicaria a norma que estabeleceria se fosse legislador "quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador" (art. 114) - conceito Aristotélico do instituto. No direito atual, não contendo a norma  o conceito de eqüidade, este passa a ser o que a jurisprudência entender, dada a falta de regra expressa no Código.
           
15.       LIMITES DA JURISDIÇÃO

15.1      Limites internacionais: como exercício de sua soberania, cada Estado (nação) dita sua normas internas. Contudo, a necessidade de coexistência com outros Estados soberanos faz com que o legislador mitigue esse poder soberano, atendendo às seguintes ponderações: a) a conveniência (não convém criação de áreas de atritos por questões irrelevantes porque o que interessa, afinal, é a paz social); b) a viabilidade (evitam-se os casos em que não será possível a imposição autoritativa do cumprimento da sentença). A doutrina elenca três motivos que recomendam a observância dessas regras: a) a soberania de outros Estados; b) o respeito às convenções internacionais; c) razões de interesse do próprio Estado.

            Assim, em princípio cada Estado tem poder jurisdicional nos limites de seu território. No Br. os conflitos civis consideram-se sujeitos à jurisdição nacional quando: a) o réu tiver domicílio no Brasil; b) versar a pretensão do autor sobre obrigação a ser cumprida no Brasil; c) originar-se de fato aqui ocorrido; d) ser objeto da pretensão um imóvel situado no Brasil; e) situarem-se no Br. os bens que constituam objeto de inventário (CPC, arts. 88-89).

            Limites internacionais de caráter pessoal - por respeito à soberania de outros Estados, tem sido geralmente estabelecido que são imunes à jurisdição de um país: a) os Estados estrangeiros; b) os chefes de Estados Estrangeiros; c) os agentes diplomáticos.

            Hipóteses de cessação da imunidade: a) renúncia válida; b) quando o beneficiário é autor; c) quando se trata de demanda fundada em direito real sobre imóvel situado no país; d) ação referente a profissão liberal ou atividade comercial do agente diplomático; e) quando o agente é nacional do país em que é acreditado.

15.2 Limites internos - No direito moderno, em princípio a função jurisdicional cobre toda a área dos direitos substanciais. Esse princípio, porém, deve ser entendido com algumas ressalvas. Em primeiro lugar, temos os atos da administração pública, no tocante à discricionariedade do administrador, do ponto-de-vista da oportunidade e conveniência da sua prática, aspectos que são imunes à crítica judiciária. Além disso, a lei exclui da apreciação judiciária as pretensões fundadas em dívidas de jogo, ou apostas (CC, art. 1477).

            Todos esses casos são de impossibilidade jurídica da demanda e são exceções porque a garantia constitucional do acesso à justiça tem conduzido a doutrina e a jurisprudência a uma tendência marcadamente restritiva quanto ao exame jurisdicional das pretensões insatisfeitas.

16.                               JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

16.1Administração pública de interesses privados

            Por se revestirem de grande importância, transcendendo os limites da esfera de interesses das pessoas diretamente empenhadas, alguns atos jurídicos da vida de particulares passam também a interessar à própria coletividade.

            Atento a isso, o legislador impõe que, para a validade desses atos de repercussão na vida social, imprescinde-se da participação de um órgão público, através da qual o Estado se insere naqueles atos que do contrário seriam tipicamente privados. Nessa intervenção o Estado age emitindo uma declaração de vontade, desejando também que o ato atinja o resultado visado pelas partes. Trata-se de manifesta limitação aos princípios de autonomia e liberdade, que caracterizam a vida jurídico-privada dos indivíduos, o que até se justifica pelo interesse social que envolvem esses atos da vida privada.

            São atos de administração pública de interesses privados, praticados com a intervenção de órgãos do "foro extrajudicial", a escritura pública (tabelião), o casamento, o protesto, a participação do MP. na vida das fundações, os contratos e estatutos que tramitam pela JUCESP.

16.2  Jurisdição voluntária

            A independência, a idoneidade e a responsabilidade dos magistrados perante a sociedade levam o legislador a lhes confiar importantes funções em matéria de administração pública de interesses privados. Esses atos praticados pelo juiz recebem da doutrina o nome de jurisdição voluntária ou graciosa.

            Os atos de jurisdição voluntária se classificam em três categorias: a) atos meramente receptícios (função passiva do magistrado, como publicação de testamento  CC, art. 1646); b) atos de natureza certificante ("vistos" em balanços, despachos em notificação ou interpelação judiciais, etc.); c)  atos que constituem verdadeiros pronunciamentos judiciais (separação judicial amigável, interdição, venda de bens de incapaz, etc.). Apenas estes últimos estão disciplinados no CPC, como procedimentos de jurisdição voluntária.

            De tudo o que foi visto conclui-se que, na realidade, os atos da chamada jurisdição voluntária  nada têm de jurisdicionais, porque: a) não tem como escopo a atuação do direito, mas a constituição de situações jurídicas novas; b) não tem o caráter substitutivo, pois, antes disso, o que acontece é que o juiz se insere entre os participantes do negócio jurídico, numa intervenção necessária para a consecução dos objetivos desejados, mas sem exclusão das atividades das partes; c) ademais, o objetivo dessa atividade não é uma lide, mas apenas um negócio entre os interessados com a participação do magistrado.

            Assim, não havendo interesses em conflitos, não é adequado falar em partes, expressão que pressupõe a idéia de pessoas que se situam em posições antagônicas, cada qual na defesa de seu interesse. Além disso, como não se trata de atividade jurisdicional, é impróprio falar em ação, pois esta se conceitua como o direito-dever de provocar o exercício da atividade jurisdicional contenciosa; e, pela mesma razão não há coisa julgada, pois tal fenômeno é típico das sentenças jurisdicionais. Por outro lado, no lugar de processo, fala-se em procedimento, pois aquele é também sempre ligado ao exercício da função jurisdicional e da ação.

            Contudo, essa atividade judicial. administrativa embora, se exerce segundo formas processuais: petição inicial com documentos necessários (art. 1.104); há citação dos interessados (art. 1.105), resposta (art. 1.106), contraditório, provas (art. 1.107), sentença e apelação (art. 1.110).

17.                   O PODER JUDICIÁRIO (MATÉRIA DE TRABALHO EM CLASSE)

17.1. O PODER JUDICIÁRIO. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ADVOCACIA: Funções, estrutura e Órgãos.

17.1.1  ESTRUTURA JUDICIÁRIA NACIONAL
- O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
- órgãos de superposição
- funções institucionais e competência
- graus de jurisdição
- ingresso, composição e funcionamento

17.1.2 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA ESTADUAL
- divisão judiciária - os juízos de primeira instância
- classificação das comarcas
- duplo grau de jurisdição - a composição dos tribunais
- períodos de trabalho - férias forenses
- a carreira da Magistratura
- Justiça Militar estadual

17.1.3 ORG. JUDICIÁRIA DA UNIÃO
- as Justiças da União
- organização da Justiça Federal ordinária
-           "               "         "      Militar Federal
-           "               "         "      Eleitoral
-           "               "         "      do Trabalho

17.1.4.   A independência e as Garantias do Poder Judiciário.
- a independência política e jurídica do juiz
- as garantias do Judiciário, enquanto poder
- as garantias dos juízes - independência e imparcialidade.

17.2.   SERVIÇOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
- órgãos auxiliares da Justiça
- classificação dos órgãos auxiliares da Justiça
- auxiliares permanentes e eventuais
- órgãos auxiliares de fé-pública

17.3. MINISTÉRIO PÚBLICO
-          o Ministério Público e o Poder Judiciário
-          princípios, garantias e impedimentos
-          órgãos do Ministério Público da União
-          órgãos do Ministério Público estadual

4. O ADVOGADO
-          a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral da União
-          natureza jurídica da advocacia
-          deveres e direitos do advogado
-          a Ordem dos Advogados do Brasil
-          o Exame de Ordem e Estágio
-          Código de Ética Profissional

Condições do Trabalho:

-          Em grupo de até 9 pessoas (Cada grupo elegerá um representante que comunicará ao professor a sua formação até o dia ).
-          O Trabalho poderá ser Manuscrito ou datilografado e conterá necessariamente:
            a)   Sumário com índice da matéria, e referência ao trabalho de cada participante
      b) Bibliografia (pelo menos três obras consultadas)
-          Data de entrega: (improrrogável)
                              
18. O MINISTÉRIO PÚBLICO                

            Perfil Constitucional: "Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127).

            O MP se desincumbe dessa missão constitucional quando seus membros se encarregam da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão às condutas consideradas crime, pois este é um atentado contra os valores fundamentais da sociedade. Igualmente, no juízo civil cumpre o comando constitucional quando seus órgãos, na qualidade de curadores se ocupam de certas instituições (registros públicos, fundações, família,), de certos bens e valores fundamentais (meio-ambiente, valores artísticos, estéticos, históricos, paisagísticos), ou de certas pessoas (consumidores, ausentes, incapazes, acidentados no trabalho, etc.).

            O Estado, ao cometer essas funções ao Parquet, tem em mira garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a existência digna.

            Tradicionalmente, o Ministério Público, apontado como instituição de proteção aos fracos, hoje desponta com agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos e difusos.

            Em sua origem mais remota o MP não tinha exatamente essa função.

            Sustenta-se que a origem mais remota do MP é encontrada no Egito, há quatro mil anos, onde os chamados procuradores do rei exerciam funções muito parecidas com as atuais atribuições ministeriais. Eram eles genericamente chamados "a língua e a palavra do rei", desempenhando no campo penal o dever de castigar os rebeldes, reprimir os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do homem justo e verdadeiro, perseguindo os malvados e mentirosos; no processo penal era sua responsabilidade "fazer ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições da lei que se aplicam ao caso" e, finalmente, no campo cível, competia-lhe a defesa de certas pessoas, já que eram tidos como "o marido da viúva e pai do órfão".

            Também, a Grécia antiga, por alguns poucos estudiosos, é apontada como o berço da instituição, o mesmo se dando, agora por uma maioria significativa de historiadores, em relação a Roma, com sendo a origem do Ministério Público, na figura do praefectus urbis, originariamente chamado de custos urbis, que eram substitutos do rei quando este se ausentava de Roma, e, nessa qualidade, não só julgavam como também legislavam e administravam. No período imperial passaram eles a funcionar como juízes criminais, cujo julgamento, assim como o do imperador, se mostrava ilimitado e não sujeito a nenhuma formalidade processual. Percebe-se que as funções desses entes mais se assemelham à jurisdição, por isso a crítica dos que discordam dessa opinião.

            Porém, não discrepam os historiadores em atribuir à "Ordonnance" de Felipe, o Belo, de 25 de março de 1303, a qualidade de certidão de nascimento do Ministério Público. Pela primeira vez num diploma legal se fazia menção expressa ao "procureur du roi (les gens du roi)", agentes do poder real perante as cortes que, já há algum tempo, vinham fazendo a defesa dos interesses privados do soberano. Trata-se de um corpo de funcionários, agora organizado em lei, a quem competiria a tutela do Estado, separados da pessoa e dos bens do rei. Sustenta Hélio Tornaghi que esse ato de Felipe, o Belo, foi o resultado da reação do soberano contra os senhores feudais que lhe arranhavam a soberania; através dele o rei chamou para si o poder supremo, pôs-se acima de todos para atuar perante o Poder Judiciário. Foi nessa época que o MP começou a ser chamado de Parquet pelas razões muito bem expostas por Tornaghi, verbis: "A fim de conceder prestígio e força a seus procuradores, os reis deixaram sempre clara a independência desses em relação aos juízes. O Ministério Público constituiu-se em verdadeira magistratura diversa da dos julgadores. Até os sinais exteriores dessa proeminência foram resguardados; membros do Ministério Público não se dirigiam aos juízes do chão, mas de cima do mesmo estrado parquet em que eram colocadas as cadeiras desses últimos e não se descobriam para lhes endereçar a palavra, embora tivessem de falar de pé (sendo por isso chamados magistrature debout (Magistratura de pé).

            Posteriormente, outras ordonnances vieram a regulamentar a instituição tais como a de Carlos VIII, de 1493, a de Luís VII, de 1498, e as de 1522, 1553, 1586 e, por fim a Ordonnance Criminalle de Luís XIV, em 1670, considerada a grande codificação de processo criminal francês, que veio a ampliar o campo de atuação do Ministério Público.

Revolução Francesa - Separação dos Poderes - profunda reformulação política.

            Não tinha mais cabimento encarar-se o Ministério Público como representante dos interesses do rei ou da coroa; outra teria que ser sua finalidade: a representação da sociedade, seus superiores interesses, perante os tribunais. Eram incompatíveis as suas funções com as do juiz, do executivo e do legislativo, salvo algumas exceções. No processo civil atuaria o MP nas ações de anulação de casamento, nas ações de estado civil das pessoas, entre outras.

            Em 1879, por decisão da Corte de Cassação Criminal - criada em 1790 - é declarada de forma definitiva a garantia que viria tornar-se a pedra fundamental de toda a atuação do parquet: "os representantes do Ministério Público são completamente independentes em relação às cortes e aos tribunais juntos aos quais atuam; os juízes não têm o direito de censurar nem criticar suas conclusões"

            Ordenações   Afonsinas (1456) nenhuma referência ao Ministério Público.
        "            Manuelinas (1521), por primeiro refere-se ao Promotor de Justiça, inspiradas no direito francês e canônico. Segundo estas, o promotor deveria ser alguém "letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas e razões, que para a lume e clareza da justiça e para inteira conservaçon dela convém ...", o que significava dizer que era ele o fiscalizador da lei e da sua execução.

            Posteriormente, em 1603, surge a grande codificação portuguesa, as famosas "Ordenações Filipinas", que iria reger a nossa vida jurídica por alguns séculos, tendo esse diploma legal, atribuído ao assim chamado "Promotor de Justiça da Casa de Suplicação", nomeado pelo rei, entre outros encargos, o de "requerer tôdas as cousas, que tocam à Justiça, com cuidado e diligência, em tal maneira que por sua culpa e negligência não pereça. E a seu Ofício pertence formar libelos contra os seguros, ou presos, que por parte da Justiça hão de ser acusados na Casa de Suplicação por acôrdo da Relação".

            Pouco tempo depois, já existindo no Brasil um governo geral, instituído em 1548, surge o primeiro texto legislativo genuinamente nacional a prever a figura do Promotor de Justiça. Trata-se do diploma de 9 de janeiro de 1609, que disciplinava a composição do Tribunal da Relação da Bahia, que dispunha: " A relação será composta de dez desembargadores ... um procurador de feitos da Coroa e d Fazenda e um promotor de justiça".

18.1  O MINISTÉRIO PÚBLICO NA IDADE CONTEMPORÂNEA

            Proclamação da Independência do Brasil (1922) - 1ª CF. de 1824

            Código de Processo Criminal de 1832 - primeiro código brasileiro a dedicar tratamento sistemático e abrangente à instituição do MP.

            Em 11.10.1890, criou-se a Justiça Federal. através do Dec. 848,  e nesse texto legislativo, da lavra  do insigne Campos Sales, precursor da independência do parquet no Brasil, surgiu o esboço institucional do Ministério Público.,

            Proclamação da República (1889) -  CF de 1891 silenciou-se sobre a instituição, limitando-se à referência ao Procurador-Geral da República no Título destinado ao Poder Judiciário. Daí para frente, em termos constitucionais, seguiu-se um processo de marchas e contramarchas.

            A CF. de 1934 representou a reabilitação do Ministério Público ante as várias conquistas alcançadas, dentre as quais merecem menção a estabilidade conferida aos seus membros e a regulamentação do ingresso na carreira.

            A CF de 1937 - novo retrocesso - simples referência ao Procurador-Geral da República como chefe do MPF e instituía o "quinto constitucional" para a composição dos tribunais.

            A almejada independência funcional só viria na Carta de 1946, nitidamente embebecida de espírito democrático. Deu-se ao MP um título especial, sem vinculação a qualquer dos poderes da República, onde se instituía o Ministério Público Federal e Estadual, suas estruturas e atribuições, a estabilidade da função, o concurso de provas e títulos, a promoção e a só remoção por representação motivada da Procuradoria -Geral.

            As CFs. de 1967 e1969, apresentaram retrocessos e avanços que alteraram o perfil da instituição sem grande significado, até porque, com duração breve, pois a partir da E.C. nº 7, de 1977, que, alterando substancialmente a Carta maior, especialmente, no tocante à estrutura organizacional do Estado no terreno da prestação jurisdicional, autorizou a organização dos Ministérios Públicos dos Estados, diferindo à Lei Complementar a edição de normas , sobrevindo a LC 40/81, que já em seu art. 1º traça o perfil do Ministério Público, dizendo: "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável, perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel observância da Constituição e das leis ...", explicitando no art. 2º os princípios institucionais do MP: a unidade, indivisibilidade e a autonomia funcional e, no art. 3º elenca o rol de funções e delimitações do campo da sua atuação.

            E, finalmente, sobrevém a CF. de 1988, a primeira que outorga ao Ministério Público um tratamento digno da excelência do seu papel social e o consagra definitivamente como grande instituição republicana tal qual sonhara Campos Salles.

18.2 PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS E CONSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

            a) unidade: é o conceito de que os promotores de um Estado integram um só órgão sob a direção de um só chefe.

            b) indivisibilidade: significa que os membros  do Ministério Público podem ser substituídos uns pelos outros, "não arbitrariamente, porém, sob pena de grande desordem, mas segundo a forma estabelecida na lei" TJSP, Rcrim 128.587-SP; RT 494/269).

            c) independência funcional: significa que cada um de seus membros age segundo sua própria consciência jurídica, com submissão exclusivamente ao direito, sem ingerência do Poder Executivo, nem dos juízes e nem mesmo dos órgãos superiores do próprio Ministério Público. Por outro lado, essa independência da Instituição como um todo identifica-se na sua competência para "propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concursos público de provas e títulos" (art. 127, § 2º), e para elaborar "sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias" (art. 127, § 3º).

18.3  O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO

            O MP, conforme sua definição constitucional é "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado" e, por isso é ele tratado como órgão autônomo, que não integra o Poder Judiciário, embora desenvolva as suas funções essenciais, primordialmente, no processo e perante os juízos e tribunais.

            Assim, a CF. apresenta o MP da União integrado pelo MPF (oficiando perante o STF, STJ e Justiça Federal, MP do Trabalho (Justiça do Trabalho), MP Militar (Justiça Militar da União) e MP do Distrito Federal e Territórios (Justiça do Distrito Federal e Territórios.

18.4 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS

            a) promoção privativa da ação penal pública; b) zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; c) promover o inquérito civil e a ação civil  para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses previstos nesta Constituição e outras elencadas nos vários incisos do art. 129 da CF.

18.5 GARANTIAS

            Como garantias da Instituição como um todo destacam-se: a) a sua estruturação em carreira; b) a sua autonomia administrativa e orçamentária; c) limitação à liberdade do chefe do Executivo para a nomeação e destituição do Procurador-Geral; d) a exclusividade da ação penal pública e veto à nomeação de promotores ad hoc.

            Aos membros individualmente são as seguintes as garantias: a) o tríplice predicado da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos b) ingresso aos cargos mediante concurso de provas e títulos, observada, nas nomeações, a ordem de classificação; c) promoção voluntária, por antigüidade e merecimento, alternadamente, de uma para outra entrância ou categoria e da entrância mais elevada para o cargo de Procurador de Justiça; d) sujeição à competência originária do Tribunal de Justiça, "nos crimes comuns e nos de responsabilidade, ressalvadas exceções de ordem constitucionais.

18.6 IMPEDIMENTOS

a) a representação judicial e consultoria de entidades públicas e o exercício da advocacia;  b) o recebimento de honorários, percentuais ou custas; c) a participação em sociedade comercial; d) o exercício de outra função pública, salvo uma de magistério; e) atividades político-partidárias.

18.7  ÓRGÃOS DO MP DA UNIÃO

            Procurador-Geral da República (chefe do Ministério Público da União) - nomeado pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Federal - mandato bienal - destituição antes do prazo depende de autorização pela maioria absoluta do Senado Federal.

18.8  ÓRGÃOS DO MP ESTADUAL

            a) Administração Superior (PGJ, Colégio dos Procuradores; CSMP e CGMP);
            b) Administração do MP (Procuradorias de Justiça e Promotorias de Justiça;
            c) Órgãos de Execução (PGJ, Colégio, CSMP, Procuradores e Promotores);
            d) Órgãos auxiliares ( Centros de Apoio operacional, Comissão de Concurso, Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Profissional, órgãos de apoio técnico e administrativo e estagiários).

19.       O ADVOGADO

19.1 Noções gerais: O advogado integra a categoria daquelas pessoas denominadas de jurista, porque versadas em ciências jurídicas, como o professor de direito, o jurisconsulto, o juiz, o membro do Ministério Público.

            Sua função específica, ao lado dessas demais pessoas, a de participar do trabalho de promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica justa.

            Pela primeira vez, a estrutura institucional da advocacia ganhou, na CF de 1988, status constitucional, integrando "as funções essenciais à justiça", ao lado do Ministério Público e da Advocacia Geral da União, prescrevendo o art. 133: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

            A denominação advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, surgindo, assim, uma definição do que seja o advogado: "é o profissional legalmente habilitado a orientar, aconselhar e representar seus clientes, bem como a defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele.

            Sustenta a doutrina que o advogado, na defesa judicial dos interesses do cliente, age com legítima parcialidade institucional e que em confronto de parcialidades opostas constitui fator de equilíbrio e instrumento da imparcialidade do juiz.

19.2      DEFENSORIA PÚBLICA

            Atendendo antiga postulação e promessa social de assistência judiciária aos necessitados, a CF fala agora em assistência jurídica integral gratuita (art. 5º, LXXIV), que inclui também o patrocínio e orientação extrajudicial (advocacia preventiva). E, para o cumprimento dessa obrigação constitucional a Defensoria Pública foi institucionalizada (CF, art. 134: A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV).

19.3  ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

            É outro organismo criado pela Constituição de 1988 com a missão de defender os interesses jurídicos  judicial e extrajudicial da União. Somente a cobrança judicial executiva da dívida ativa tributária é que fica a cargo de outra instituição federal, a Procuradoria da Fazenda Nacional.

            O Advogado-Geral da União, chefe da AGU,  é de livre nomeação pelo Presidente da República, sem as garantias de que dispõe o Procurador-Geral da República.

19.4 NATUREZA JURÍDICA DA ADVOCACIA

            TradicionaImente, diz-se que a advocacia é uma atividade privada, que os advogados exercem como profissionais liberais que são, ligando-se aos clientes pelo vínculo contratual do mandato, combinado com locação de serviço.

            Modernamente, formou-se corrente doutrinária, para qual, em vista da indispensabilidade da função do advogado no processo, a advocacia tem caráter público e as relações entre patrono e cliente são regulada por contrato de direito público.

            Contudo, diante das regras multifárias das relações do advogado com o cliente e com o Estado jurisdicional, o mais correto parece conciliar as duas correntes doutrinárias, mormente em face do que prescreve o art. 2º do atual EOAB (lei 8.906/94: "No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público", considerando-se a advocacia, ao mesmo tempo, como ministério privado de função pública e social. Assim é que o mandato judicial constitui representação voluntária no tocante à sua outorga e escolha do advogado, mas representação legal no que diz respeito à sua necessidade e ao modo de exercê-la.

19.5 MANDATO POR PROCURAÇÃO

            Procuração ad judicia é o instrumento de mandato que habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer justiça, foro, juízo ou instância, salvo os de receber citação, confessar, transigir, desistir, e dar quitação e firmar compromisso; e a procuração com a cláusula ad judicia et extra habilita o constituído à prática também de todos os atos extrajudiciais de representação e defesa, incluindo sustentações orais.

            Ao renunciar ao mandato o advogado continuará a representar o outorgante pelos dez dias seguintes à intimação da renúncia, salvo se for substituído antes desse prazo. O processo não se suspende em virtude da renúncia.

            Advocacia liberal, pública e empregatícia e honorários

19.       DA COMPETÊNCIA. Conceito, Espécies e critérios determinativos.

19.1      Conceito: A jurisdição, como expressão do poder estatal, embora una e indivisível, por razões organizacional e prática, é exercida por vários órgãos, distribuídos pela Constituição Federal e pela lei, cada um deles atuando dentro de determinados limites, dependendo ora da natureza do litígio, ora da qualidade dos litigantes.

            Competência  é, pois, a medida da jurisdição, ou seja, a órbita dentro da qual o juiz exerce as funções jurisdicionais. Ou ainda, é o poder que tem o órgão jurisdicional de fazer atuar a jurisdição aplicando o direito objetivo ao um caso concreto levado à sua apreciação pelo interessado.

            Para Liebman, essa quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupos de órgãos, chama-se competência. Nessa mesma ordem de idéias é clássica a conceituação da competência como medida da jurisdição (cada órgão só exerce a jurisdição dentro da medida que lhe fixam as regras sobre competência).


[1] Cf. Eduardo J. COUTURE, in Fundamentos del derecho procesal civil,  p. 45
[2] CPP, art. 319: A prisão administrativa terá cabimento: (I) contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; (II) contra o estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; (III) nos demais casos previstos em lei.
[3] O costume pode ser ainda: praeter legem (fora da lei), também chamados integrativos, uma vez que suprem lacunas das normas ou especificam seu conteúdo e extensão; contra legem (contra a lei) que, sendo aplicado, criam normas ou impede a aplicação das normas existentes. 
[4] Cód. Civ., Art. 400: Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
Art. 1456: No aplicar a pena do art. 1.454 (abstenção de fato arriscado, sob pena de perder o direito ao seguro), procederá o juiz com equidade, atento a circunstâncias reais, e não em probabilidades infundadas, quanto ao agravamento dos riscos.