ESTRUTURA E FINALIDADE DAS AÇÕES DA LEI


Segundo as Institutas de Gaio, eram em número de cinco as primitivas ações da lei e subdividiam-se em ações de declaração - aquelas que levavam à nomeação de um juíz popular que deveria determinar a existência ou não do direito pleiteado; e em executórias - aquelas que executavam a sentença obtida. Eram elas:
Actio Sacramenti;
Iudicis Postulatio;
Condictio;
Manus Iniectio;
Pignoris Capio.


AS AÇÕES DE DECLARAÇÃO


ACTIO SACRAMENTI


A legis actio per sacramentum constituiu a primeira forma de processo institucionalizado. Era uma actio generalis, o que corresponde no direito processual atual a uma ação ordinária, de caráter geral, que era utilizada toda vez que a lei não estabelecesse para o caso ação especial. Era também uma ação abstrata pois o autor não precisava justificar o direito pleiteado.

Sua denominação provém do vocábulo sacramentum, espécie de pena pecuniária imposta ao litigante que não demonstrasse na fase apud iudicem (do juiz popular) o direito que afirmara diante do magistrado (instância in iure).
O sacramentum variava conforme o valor do objeto da lide e consubstanciava-se em uma aposta jurada acerca da procedência da causa da vindicação.
A actio sacramenti podia ser in rem, quando o objeto da lide dissesse respeito a um direito real ou ao poder do pater familias, ou in personam, quando se tratasse de direito de crédito.
Na actio sacramenti in rem, embora não fosse necessário o chamamento a juízo, bastando que o autor portasse perante o magistrado (in ius) a coisa ou algo que a simbolizasse. Com o passar do tempo este tipo de ação incorporou a citação do réu para o início do processo reivindicatório.
O seu rito era formal e cerimonioso, onde ambos os litigantes, diante do pretor, vindicavam a coisa, simbolizando tal intenção tocando-a com uma varinha (festuca), até que se desafiassem num sacramentum, estabelecendo assim o contraditório.
As partes, no entanto, não depositavam o sacramentum, mas se comprometiam solenemente com o magistrado a pagá-lo, no caso de derrota dando como garantia as praedes sacramenti (pessoas que recolheriam o valor prometido ao Estado, caso o vencido não o fizesse). A parte possuidora da coisa deveria ainda apresentar fiadores que garantissem, caso perdesse o litígio, a restituição daquela ao outro litigante (praedes litis et vindiciarum).
É importante frisar que o contraditório estabelecido entre as partes não tinha como escopo principal a propriedade do bem, mas sim a causa em que se fundava a vindicação.
Desta forma, o julgador, na instância do juiz popular (apud iudicem), deveria verificar a legitimidade da causa, que justificasse a alegação de propriedade declarando qual dos dois sacramentos lhe parecia justo.
A legis actio sacramenti in personam, também se caracterizava por rito solene e simbólico, diferenciando-se apenas no seu objeto, que era a cobrança de crédito, e nas asserções e fórmulas desenroladas durante a audiência. Diferenciava-se também pelo fato de ser uma legis actiones não abstrata, pois deveria indicar a causa da qual se afirmava derivar a obrigação (oportere).
Basicamente, a audiência da actio sacramenti in personam consistia na afirmação pelo autor (intentio) que a outra parte lhe devia determinada obrigação. Diante de tal asserção, o réu poderia não comparecer perante o juiz (iudex) ou confessar a dívida, hipóteses que o equiparavam à situação do vencido (iudicatus). Caso o réu contestasse a intentio, o autor pronunciava o desafio do sacramentum.
Faz-se mister esclarecer que na actio sacramenti in rem a posição jurídica do autor era definida somente em relação à coisa vindicada, tornando-se indiferente a pessoa do réu, enquanto que na actio sacramenti in personam, a precisa individuação da pessoa do réu na declaração inicial do autor era fundamental para fazer sentido a sua pretensão.
Apesar de em ambas as espécies, in rem e in personam, a sentença ter natureza de provimento meramente declaratório, trazia na prática diferentes conseqüências nas duas ações.
Na ação real (in rem), quando o juiz declarava o sacramentum do possuidor provisório da coisa ilegítima (iustum), este a conserva definitivamente e o valor do sacramentum devia ser recolhido ao Estado pelo sucumbente. Se declarado iniustum, além do recolhimento da promessa feita, deveria restituir a coisa ao vencedor. Se não o fizesse, os praedes sacramenti sujeitar-se-ião aos efeitos da ação executória (manus iniectio).
Na ação pessoal (in personam), cuja finalidade era a cobrança de crédito, declarado justo o sacramentum do demandante, não sendo cumprida a obrigação pelo devedor, poderia aquele proceder à citação do mesmo em juízo, instaurando-se assim o processo executório.
IUDICIS POSTULATIO
A também denominada actio iudicis arbitrive postulatio era uma ação declaratória, especial e não abstrata pois o autor tinha que indicar o fundamento da revindicação. Era utilizada para a divisão de herança (actio familiae erciscundae) e para cobrança de crédito decorrente de sponcio (espécie de processo relativo à coisa vindicada, onde o réu possuidor prometia indenizar o autor caso ficasse provado que o bem não era seu) e para divisão de bens comuns (actio comuni dividundo).
Não estabelecia pena para o litigante temerário e o iudex ao contrário das outras ações, era nomeado imediatamente e não no prazo de trinta dias de acordo com a Lei Pinaria.
LEGIS ACTIO PER CONDICTIONEM
Introduzido por duas leis: lex silio, para os créditos de certa pecúnia, e lex colpurnia, para os créditos de qualquer outra certa res (que não fosse dinheiro).
Ação mais simples e rápida, a condictio era utilizada para tutelar créditos que o eram anteriormente tutelados pela actio sacramenti in personam e pela iudicis postulatio e, diferentemente desta última , o iudex era designado ao fim de trinta dias como determinava a Lei Pinaria. Tratava-se de ação abstrata, pois o autor não precisava de declarar o fundamento (causa) do crédito.
AS AÇÕES EXECUTÓRIAS
LEGIS ACTIO PER MANUS INIECTIONEM
Era destinada a fazer valer sentença obtida em ação de declaração. É considerada uma das mais antigas legis actiones.
Acredita-se que era utilizada em duas hipóteses:
contra o iudi catus, aquele que numa ação de declaração fora condenado a pagar certa importância.
contra o confessus, aquele que na fase in iure confessou que o autor tinha razão.
Só podia ser utilizada para execussão de quantia certa, por isso, através de um proceso pouco conhecido, o arbitrium lite aestimandae, as condenações imprecisas eram reduzidas ao pagamento de quantias certas para que se aplica-se a manus iniectio.
A manus iniectio na Lei das XII Tábuas:
Nesta época era uma lei primitiva e rude que determinava a morte ao devedor caso não sanasse a dívida ele próprio ou alguém em seu lugar. Este alguém era o uindex, um parente ou amigo que contestasse a legitimidade do pedido do autor sabendo que se perdesse seria obrigado a pagar o dobro da dívida inicial.
A manus iniectio depois da Lei das XII Tábuas:
Nesta fase ela passa a abranger uma quantidade maior de casos e tem seus efeitos abrandados.
Passou a ser mais abrangente devido a leis posteriores às das XII Tábuas, que determinaram sua utilização em casos sem julgamento nem confessio in iure, em que se pretendia cobrar créditos previstos por lei.
A Lei Publilia concedia ao sponsor (fiador) que tivesse pago a dívida, manus iniectio contra o devedor que não o reembolsasse em seis meses.
A Lei Furia de sponsu dava ao fiador a manus iniectio contra o credor que o cobrasse indevidamente.
Quando não havia julgamento a manus iniectio era chamada pro iudicato (como se tivesse sido julgada) ao passo que aquela que se empregava na época da Lei das XII Tábuas era chamada manus iniectio indicati
Algumas leis admitiam que se aplicasse a manus iniectio pura, isto é, aquela que não exigia que tivesse havido julgamento mas que exigia ao autor que declarasse a natureza do direito pleiteado.
Com a implantação das manus iniectiones purae ocorreu uma inovação: o réu podia prescindir do uindex e defender-se a si próprio. Posteriormente todas as manus iniectiones se tornaram purae, a excessão do iudicatus, do confessus (previstos na Lei das XII Tábuas) e do sponsor (previsto na Lei Publilia).
Por fim, ao final da República o réu que não pagasse o débito não poderia ser morto nem vendido como escravo pelo seu credor, que só poderia levá-lo para sua casa e mantê-lo preso até que pagasse sua dívida com trabalho.
LEGIS ACTIO PER PIGNORIS CAPIONEM
Distingue-se das demais legis actiones de tal maneira que algumas jurisconsultos romanos não a consideravam uma legis actio.
Esta singular legis actio não se desenrolava diante do magistrado e não requeria a presença do adversário podendo ainda realizar-se nos dias nefastos Tratava-se de meio de tutela que se realizava extra judicialmente, colocando o credor, desde logo, em situação de vantagem perante o devedor.
Somente podia ser utilizada em relação a certas dívidas, que em alguns casos eram estipuladas por costumes e em outros por lei.
São passíveis de pignoris capio:
a dívida do tribunus aerarii em relação ao soldo (stipendium) do soldado;
a dívida das pessoas responsáveis para contribuir com a compra e manutenção do cavalo para com o soldado de cavalaria;
a dívida do comprador de animal para com o vendedor
a dívida do locatário de um animal de carga em relação ao locador desde que este animal estivesse destinado a sacrifício religioso;
a dívida do contribuinte para com o publicano no tocante aos impostos.
O apossamento extra judicial dos bens do devedor não conferia direito de uso da coisa ao credor, mas somente de mantê-la em seu poder até que fosse honrada a dívida.

BIBLIOGRAFIA
ALVES, J.C. M. - Direito Romano; Editor Borsoi, RJ, 1965, vol. 1, c. XVII E XVIII.
TRICI, J. R. C.; AZEVEDO, L.C. - Lições de História do Processo Civil Romano; Ed. Revista dos Tribunais, c. 3,4 e 5.
Júnior, J. Cretella - Curso de Direito Romano; 19ª edição; Ed. Forense; Rio, 1995.
Autoria: Ricardo Gomes da Silva