19.2.3               COMPETÊNCIA EM RAZÃO DAS CONDIÇÕES DAS PESSOAS

            Embora a Constituição Federal estabeleça como princípios basilares para a democracia, a liberdade e a igualdade, consignado em seu art. 5º, caput, e  inciso XXXVII, respectivamente, "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ..."; "não haverá juízo ou tribunal de exceção", isso não impede, entretanto, que a competência dos órgãos jurisdicionais ordinários se determine, em alguns casos, em razão da condição das pessoas. A própria CF, instituindo os juízes federais, cuja competência é quase toda em razão das pessoas em lide (art. 109), consagra esse critério. É curial que se frise que a competência assim se determina em casos especiais e pela circunstância do sujeito da lide ser pessoa jurídica de direito público, nacional ou estrangeira, órgãos ou pessoas que se lhes assemelham pelas funções que exerçam.


19.2.3.1            Competência,  em Razão das Pessoas, do STF: Prevista no art. 102, inc. I, alíneas b, c, e, g, i, n, o e q.

19.2.3.2            Competência, em Razão das Pessoas, do  STJ: Prevista no art. 105, inc. I, alíneas a, b, c, g, h e h.

19.2.3.3            Competência, em Razão das Pessoas, dos TRFs: Prevista no art. 108, inciso I, alíneas a, c, d e e.

19.2.3.4            Competência, em razão das Pessoas, dos Tribunais locais:  Sãos nas respectivas Constituições Estaduais, em regra, que encontramos a competência dos Tribunais dos Estados. A Constituição do Estado de São Paulo, e.g., no art. 74, estabelece a competência originária cometida ao Tribunal de Justiça, em razão da qualidade das pessoas.

19.2.4   COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO VALOR ( é aquela competência fixada unicamente em consideração ao valor da causa (art. 258 do CPC). No campo da teoria geral da competência, contudo, não se pode entender por "valor da causa", apenas, o valor do bem estimado em dinheiro, pois excluiria esse elemento de fixação da competência, do campo processual penal. A propósito, afirma Hélio Tornaghi que, podendo a natureza da infração ser aferida por todos os critérios doutrinários, quando a quantidade da pena for o elemento determinante da competência, "deve enxergar-se aí a competência em razão do valor".

19.2.5               ATRIBUIÇÃO DAS CAUSAS AOS ÓRGÃOS

            Na distribuição de competência, o constituinte e o legislador visam às vezes, preponderantemente, ao interesse público da perfeita atuação da jurisdição (v.g. na competência da jurisdição); às vezes, ao interesse particular e à comodidade  das partes (v.g., na competência de foro, ou territorial). Além disso, às vezes é um dado que terá relevância na solução de um dos problemas; outras vezes, dois ou mais dados se conjugam na determinação da competência.

            Genericamente, feitas essas indicações, podemos apresentar as regras básicas que preponderam na solução dos diversos "problemas da competência", sem a pretensão de esgotar a problemática da matéria, porque isso é tarefa a ser desempenhada nos estudos específicos de cada ramo do direito processual positivo (penal, civil, trabalhista, eleitoral, militar etc.).

            A competência de jurisdição é distribuída na forma dos arts. 102, incs. I e respectivas alíneas, 105, inc. I e respectivas alíneas,  114, 121, 124, 125, §§ 3º e 4º, da CF.). Os dados levados em conta pelo constituinte são da seguinte natureza: a)  natureza da relação jurídica material controvertida, para definir a competência das justiças especiais em contraposição à das comuns (arts. 114, 121 e 124); b) qualidade das pessoas, para distinguir a competência das Justiças Federal (comum) e das Justiças Estaduais ordinárias (art. 109), bem como das Justiças Militares estaduais e da União (art. 125, §§ 3º e 4º). A competência de jurisdição é típico fenômeno de competência, não tendo qualquer influência na jurisdição enquanto expressão do poder inerente ao Estado soberano (que todas justiças, indiferentemente, têm).

*Em alguns casos específicos a CF subtrai certas causas a todas as Justiças, atribuindo-as originariamente ao STF (art. 102, inc. I) ou ao STJ (art. 105, inc. I). Ela os faz, no mais das vezes, levando em conta a condição das partes ou a natureza do processo. Em outros raríssimos casos, subtrai-as ao próprio Poder Judiciário, atribuindo-as ao Senado (art. 52, incs. I e II) ou à Câmara do Deputados (art. 51, inc. I)[1].

            A competência originária é, em regra, dos órgãos inferiores (primeiro grau ou primeira instância). Só excepcionalmente ela pertence ao STF (CF, art. 102, II), ao STJ (art. 105, II) ou aos órgãos de jurisdição superior de cada uma das Justiças (v.g., art. 29, inc. X, em que se considera a condição pessoal do acusado - prefeito.). Outros casos de competência originária dos tribunais de cada Justiça são estabelecidos em lei federal (CF, arts. 113, 121 e 124, § 1º) ou nas Const. Est. (CF, art. 125, § 1º).

* No Estado de São Paulo, com se disse, a competência originária do seu Tribunal de Justiça é ditada pelo art. 74 da CE (crimes comuns imputados ao Vice-Gov. e outras autoridades de alto escalão, mandados de segurança e habeas-data contra ato do Gov. e outras autoridades, certos mandados de injunção, ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Const. Estadual). Em matéria penal, a competência atribuída aos Tribunais é denominada de competência por prerrogativa de função.

            A  competência de foro (ou territorial) é a que mais pormenorizadamente vem disciplinada nas leis processuais, principalmente no CPP e no CPC. Afora os casos excepcionais (foros especiais), podemos indicar as regras básicas que constituem o chamado foro comum: a) no processo civil, prevalece o foro do domicílio do réu (CPC, art. 94[2]); b) no processo penal, o foro da consumação do delito (CPP, art. 70[3]); c) no processo trabalhista, o foro da prestação dos serviços ao empregador (CLT, art. 651[4]).

 *Foro é o território em cujos limites o juiz exerce a jurisdição. Nas Justiças do Estados o foro de cada juiz de primeiro grau é o que se chama comarca; na Justiça Federal é a seção judiciária. O foro do Tribunal de Justiça de um Estado é o território do Estado a que pertence; o foro dos TRTs é sua região, definida em lei (v. CF., art. 107, § ún. ). Foro é, então, sinônimo de competência territorial.

            Considera-se foro comum aquele que corresponde a uma regra geral, que só não vale nos casos em que a própria lei fixar algum foro especial ( ex.: a residência da mulher nas ações de anulação de casamento, divórcio, alimentos, separação - art. 100, I, do CPC). Foros concorrentes são aqueles em que a escolha exclusiva cabe ao autor (local do fato ou domicílio do autor, na ação para indenização de danos decorrente de acidente de veículos - art. 100, § ún., do CPC).  Foro subsidiário é que aquele determinado como sendo o domicílio ou residência do acusado, se não for conhecido o local da consumação da infração (CPP, art. 72[5]).

            A competência do Juízo é determinada precipuamente: a) pela natureza da relação jurídica controvertida, ou seja, pelo fundamento jurídico-material da demanda (varas criminais ou civis; varas de acidentes do trabalho, família e sucessões, etc.; b) pela condição das pessoas (varas privativas da Fazenda Pública e Vara da Infância e da Juventude).
           
            [A CF estabelece que, havendo questão de constitucionalidade a decidir em um processo em trâmite perante algum tribunal, essa questão será decidida necessariamente pelo plenário ou pelo órgão especial, por maioria absoluta de seus membros (arts. 93, inc. XI, e 97), ainda que o julgamento da causa ou recurso esteja afeto a uma câmara ou turma (a natureza do fundamento da demanda é o dado relevante).  Além disso, no processo Civil, o juiz que tiver iniciado a instrução oral em audiência prosseguirá no processo até o fim, sentenciando (princípio da identidade física do juiz), salvo se transferido, promovido ou aposentado (CPC, art. 132). A competência das câmaras, grupos de câmaras, seções, turmas e plenário dos tribunais é ditada pela LOMN, Const. Est., Lei de Org. Jud. e Reg. Internos]. Nesses casos, fala-se da competência interna dos órgãos judiciários que é questão concernente à existência de mais de um juiz (pessoa física) no mesmo juízo (Comarca), ou de várias câmaras, grupos de câmaras, turmas ou seções no mesmo tribunal.]

            A competência recursal  pertence, em regra, aos tribunais: a parte vencida, inconformada, pede a manifestação do órgão jurisdicional mais elevado.

            [Competência recursal é competência para os recursos interpostos contra decisões interlocutórias e definitivas. Significa a manifestação de inconformismo perante uma decisão desfavorável e pedido de substituição desta por outra favorável].

20.       A “PERPETUATIO JURISDICTIONIS”. Exceções.

20.1      Regra: a competência, embora a lei procure, na medida do possível, fixá-la por critérios que melhor atendam aos interesses das partes e lhes façam justiça, interessa muito mais à jurisdição  do que àquelas propriamente ditas. Daí a regra que consagra o princípio da perpetuatio jurisdictionis, fixando a competência no momento da propositura da ação, pouco importando as modificações de estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente (art. 87[6]). Se competência, p. e., foi determinada em razão do domicílio do réu, sua mudança futura não afeta a competência fixada. Da mesma forma, se o réu se torna incapaz e outro é o domicílio de seu represente, a competência não se altera em razão do art. 98 do Código.

20.2. Exceção: há, contudo, exceções ao princípio. A competência em razão da matéria é de ordem pública. Assim, se se criar em determinada comarca uma vara especializada de família, todas as causas respectivas se deslocam para ela. No art. 87, inclui-se, também, a competência em razão da hierarquia (retius: funcional), que pode ser originária ou recursal. Mudando a competência do órgão – diga-se que se passou a atribuir competência de determinada causa ao Tribunal de Justiça, quando era do Tribunal de Alçada – há o deslocamento instantâneo do recurso em andamento.

21.       COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA. Modificação e Prorrogação.

            A distribuição de competência, entre os vários órgãos jurisdicionais, como vimos, atende, às vezes, ao interesse público, e em outras, ao interesse ou comodidade das partes.

            Quando se cuida da distribuição da competência entre Justiças diferentes (competência de jurisdição), entre órgãos superiores e inferiores (competência hierárquica: originária e recursal), entre varas especializadas (competência de juízo) e entre juízes do mesmo órgão judiciário (competência interna), é o interesse público que prevalece, ditando as regras, pois visa a perfeita atuação da jurisdição (interesse na própria função jurisdicional). Em princípio, prevalece o interesse das partes apenas quando se trata da distribuição territorial da competência (competência de foro - rationi loci).

21.1      Competência absoluta: em princípio, o sistema jurídico-processual não tolera modificações nos critérios estabelecidos, e muito menos em virtude da vontade das partes em conflito, quando se trata de competência determinada segundo o interesse público (competência de jurisdição, hierárquica, de juízo, interna, etc.). Iniciado o processo perante o juiz incompetente, este pronunciará a incompetência ainda que nada aleguem as partes (CPC, art. 113[7]; CPP, art. 109[8]), enviando os autos ao juiz competente, sendo todos os atos decisórios nulos pelo vício da incompetência, aproveitando-se, contudo,  os demais atos do processo (CPC, art. 113, § 2º[9]; CPP, art. 567[10]).

            [No processo civil a coisa julgada sana (relativamente) o vício decorrente da incompetência absoluta; mas, dentro de dois anos a contar do trânsito em julgado, pode a sentença ser anulada, através da ação rescisória (CPC, arts. 485, II e 495). No processo penal, a anulação, apenas quando se tratar de sentença condenatória, poderá ser alcançada através de revisão criminal ou habeas corpus, a qualquer tempo.]

21.2      Competência Relativa: em se tratando de competência de foro, o legislador pensa preponderantemente no interesse de uma das partes em se defender melhor (no processo civil, o interesse do réu - CPC, art. 94;  no trabalhista, do economicamente mais fraco - CLT, art. 651). Assim sendo, a intercorrência de certos fatores (entre os quais, a vontade das partes - v.g., a eleição de foro: CPC, art. 111[11]) pode modificar as regras ordinárias de competência territorial. A competência, nesses casos, é então relativa. Assim, também, no processo civil, a competência determinada pelo critério do valor (CPC, art. 102)[12].                    
                       
            [No processo penal, em que o foro comum é o da consumação do delito (CPP, art. 70), prevalece o interesse público sobre o do réu, expresso no princípio da verdade real: onde os fatos aconteceram é mais provável que se consigam provas idôneas que o reconstituam mais fielmente no espírito do julgador. Por isso, costuma-se sustentar que muito se aniquila, no processo criminal, a diferença entre competência absoluta e relativa: esta pode ser examinada de ofício pelo juiz, o que não acontece no cível.]
           
            Diante do exposto, podemos concluir que absoluta é a competência improrrogável (que não comporta modificação alguma); relativa é a competência prorrogável (que, dentro de certos limites, pode ser modificada). E a locução prorrogação de competência, de uso comum na doutrina e na lei, dá a idéia da ampliação da esfera de competência de um órgão judiciário, o qual recebe um processo para o qual não seria normalmente competente.

21.3      Causas de prorrogação de competência: prorrogação legal ® a própria lei admite a prorrogação da competência, que,  por motivos de ordem pública, dispõe a modificação da competência. Isto ocorre nos casos em que, entre duas ações, haja relação de conexidade ou continência (CPC, arts. 102-104; CPP, arts. 76-77), visando: (a) evitar decisões contraditórias e (b) atender o ao princípio da economia processual, resolvendo-se dois conflitos de interesses semelhantes, através de um juiz e uma única convicção.
                       
21.3.1 Prorrogação legal —> “reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir” (CPC, art. 103)[13]-[14], e há continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras " (CPC, art. 104)[15].

            Em decorrência desses fatores, se uma das causas conexas ou unidas pela continência for da competência territorial de um órgão e outra delas for da competência de outro, prorroga-se a competência de ambos; a esse fenômeno chama-se prevenção que consiste em firmar a competência, para conhecimento e julgamento de ambas as causas, daquele que em primeiro lugar tomar conhecimento de uma dessas causas.

21.3.2   Prorrogação voluntária ® ditada pela vontade das partes, ocorre quando os sujeitos parciais do processo alteram as regras ordinárias de competência, com a renúncia de um deles da vantagem de demandar em determinado lugar concedida pela lei, antes da instauração do processo. Trata-se de eleição de foro, admitida apenas no processo civil (CPC, art. 111). É caso de prorrogação voluntária expressa.

            Quando a ação é proposta em foro incompetente e o demandado não argúa a incompetência no prazo de 15 dias através de exceção de incompetência (CPC, art. 305), temos a prorrogação voluntária tácita.

* [Em processo penal, em que o foro comum não é determinado predominantemente no interesse do réu (mas em atenção ao princípio da verdade real), mesmo se o réu não opõe a exceção de incompetência no prazo de três dias (CPP, arts. 108, 395 3 537), o juiz pode a qualquer tempo dar-se por incompetente (CPP, art. 109)].

            O desaforamento, em sede penal, nos processo afetos à competência do Tribunal do Júri, é outro caso de prorrogação de competência (às vezes legal; noutras, voluntária), o qual é determinado pela Instância Superior mediante requerimento do Réu, do Promotor de Justiça, ou mediante representação oficiosa do juiz, nos seguintes casos: a) interesse de ordem pública; b) dúvida sobre a imparcialidade do júri; c) risco à segurança pessoal do acusado (CPP, art. 424).

21.4      Prorrogação da competência e prevenção.

            Como foi visto, as causas que determinam a prorrogação de competência não são fatores determinativos de competência do juízo. Competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos, i.é, a órbita dentro da qual todos os processos lhe pertencem. Essa esfera é determinada por causas diversas estudadas noutro ponto.

            Prorrogação, ao contrário, acarreta a modificação, em concreto, na esfera de competência de um órgão, com referência a determinado processo: trata-se de uma modificação da competência já determinada segundo outros critérios.

            Por outro lado, a prevenção de que a lei freqüentemente se refere (CPC, arts. 106, 107, e 219; CPP, arts. 70, § 3º, 75, § ún., e 83)  não é fator de determinação nem de modificação da competência. Por força da prevenção, dentre vários juízes competentes, permanece apenas a competência de um, excluindo-se os demais. Prae-venire significa chegar primeiro; juiz prevento é o que em primeiro lugar tomou contato com a causa.

            Exemplificando: se o senhorio propõe ação de despejo e cobrança de alugueis contra seu inquilino, e este, concomitantemente, propõe ação de consignação em pagamento dos aluguéis reclamados na ação de despejo (ações conexas pelo objeto), ambas as ações devem ser reunidas para processamento simultâneo. Os dois juízes a quem as respectivas ações foram distribuídas têm competência para julgar ambas as causas, porém só um deles julgará.

- Qual deles, então será o efetivamente competente para julgar as ações?

            Através da prevenção, o que primeiro tiver despachado uma das ações será o competente para julgar as duas demandas conexas (CPC, art. 106)[16].

21.4.1 Aparente contradição entre os arts. 106 e 219 do CPC

            O primeiro diz que se considera prevento o juiz que despachou em primeiro lugar, enquanto que o segundo alude que a citação válida torna prevento o juízo.

            Para a compatibilização dos dois dispositivos legais, deve-se entender que, em se tratando de ações conexas entre magistrados da mesma competência territorial, de diversas varas de uma mesma Comarca, a prevenção é do juiz que despachou em primeiro lugar. Se, entretanto, concorrentes forem Comarcas diversas, a regra a ser observada é a do art. 219 do CPC, que diz: “A citação válida torna prevento o juízo ...”, sem qualquer referência à competência territorial dos órgãos judiciais envolvidos no problema da competência. Nesse caso, em que as demandas conexas correm perante juízes  de diversas competências territoriais, a prevenção se opera em prol daquele onde se fez a citação válida.

            Vê-se que, no tocante à prevenção,  duas são as regras a serem observadas: a) a dos juízes da mesma competência territorial, cuja prevenção se opera em favor daquele que despachou em primeiro lugar, mandando proceder a citação do réu (CPC, art. 106); b) a dos juízes de competência territorial diversa, cuja prevenção se dá em favor daquele juiz que já implementou a citação válida. 

 21.5     Incompetência Absoluta. Atos decisórios. Aproveitamento dos atos

            Declarada a incompetência absoluta, apenas os atos decisórios serão considerados nulos, devendo os autos ser remetidos ao juiz competente (CPC, art. 113,§). Os atos de decisão são a sentença e a decisão interlocutória (CPC, art. 162, §§ 1º[17] e 2º[18]). A sentença extingue o processo. Em conseqüência, proferida que seja, apenas em grau de recurso pode a nulidade por incompetência absoluta ser reconhecida.

            Quanto às decisões que são proferidas no curso do processo (decisões interlocutórias), só são consideradas tais as que realmente resolvem questões precluíveis. O simples despacho de saneamento (ex. “nada a sanear”, não resolve questão alguma, mesmo porque o juiz está sempre saneando no processo.

            Não se considera, também, como ato decisório o pronunciamento do juiz sobre os pressupostos processuais  e condições da ação, sobre a coisa julgada, litispendência e perempção[19], porque são questões imprecluíveis (CPC, art. 267, § 3º)[20].

            O juiz competente - ao receber o processo, o juiz competente deve declarar a nulidade dos atos decisórios, bem como a ineficácia dos subseqüentes que dele dependam (CPC, art. 248)[21]. Pode, entretanto, o juiz considerar eficazes atos posteriores, desde que sejam aproveitáveis sem vir de encontro à nova decisão proferida. Exemplo: O réu requereu a extinção do processo por abandono (art. 267, III) e o juiz incompetente, decidindo a questão, a indeferiu. Remetidos os autos, posteriormente, ao juiz competente, este deverá, naturalmente, reexaminar a decisão, mas, se ratificá-la, os atos posteriores não decisórios são perfeitamente aproveitáveis, por interpretação extensiva do art. 248 e a aplicação do princípio  utile per inutile non vitiatur (o útil pelo inútil não é viciado – o útil não é viciado pelo inútil).

21.6      Incompetência e questão de mérito

            A questão de competência, em se tratando de competência em razão da matéria, não raro é confundida com o próprio mérito da causa. Uma Ação de Cobrança, por empreitada, por exemplo, ingressa na Justiça Comum, órgão judiciário competente para julgá-la. Na instrução do feito, o juiz verifica que não se trata de empreitada, mas de relação de emprego. A questão não é de incompetência. O juiz não pode declinar de sua competência para a Justiça do Trabalho e sim julgar o pedido, dando-o por improcedente, porque o fundamento da causa (empreitada) não foi provado. Isto é mérito.

            Contudo, se no mesmo exemplo, a autor, descrevendo claramente relação de emprego, pede pagamento pelo trabalho prestado, o juiz deve declinar para a Justiça do Trabalho, porque a matéria descrita na causa de pedir é realmente trabalhista. Da mesma forma proceder-se-ia no oposto, se a ação fosse distribuída na Justiça Trabalhista.  

            Outro exemplo: a ação rescisória é da competência dos tribunais. Quando ela for proposta na Justiça de primeiro grau, o juiz deve decliná-la para o órgão superior competente. Se, entretanto, a mesma rescisão for pleiteada em forma de procedimento comum, com simples pedido de decretação de nulidade do ato, e a hipótese não ocorrer, a parte deve ser julgada carecedora de ação, por falta de interesse processual, já que há inadequação do pedido, sem possibilidade de declaração de incompetência, não podendo o juiz julgar além do pedido do autor (art. 128).

21.7     Incompetência absoluta e a coisa julgada.

            Não mais sujeita a recurso, a sentença recebe o manto protetor da coisa julgada, tornando-se imutável e indiscutível (art. 467)[22].

            A coisa julgada torna, portanto, definitiva a decisão, com plena força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468)[23]. Isto quer dizer que a coisa julgada sana todas as nulidades processuais, inclusive a que decorre de incompetência absoluta. Assim, a decisão, mesmo se proferida por órgão jurisdicional absolutamente,  tem ela plena eficácia, podendo adquirir imutabilidade definitiva, só rescindível pela ação rescisória ((CPC, art. 485, II)[24], se a pretensão for exercida no prazo  de dois anos (CPC, art. 495)[25].

21.8   Declaração de Incompetência Absoluta. Alegação tardia.

            A incompetência absoluta, como já vimos, deve ser declarada de ofício pelo juiz. Porém, se ele não o fizer, o réu deve alegá-la no prazo da contestação (CPC, art. 113, § 1.º)[26], como matéria preliminar de defesa (art. 301,II) e não por exceção (art. 307). Isto quer dizer que a mera alegação de incompetência absoluta, embora procedente, não suspende o processo, como ocorre com a exceção (art. 306). O réu deve alegá-la e contestar. Se não o fizer, responde integralmente pelas custas (art. 113, § 1.º), custas estas do juízo incompetente e despesas de remessa.

21.8.1 Efeitos da argüição

            O CPC só previu a suspensão do processo, no art. 265, III, em caso de ser oposta a exceção de incompetência (relativa). Porém, como a razão é a mesma, por analogia, deve ser suspenso o andamento da causa, mesmo se a argüição for em simples petição, como se acima exposto[27]. A questão, entretanto, não é pacífica na doutrina. Há quem sustenta que, alegando apenas a incompetência, com ou sem o reconhecimento desta, pode ocorrer a revelia que não depende de qualquer ato decisório, mesmo enquanto o processo tramita no juízo incompetente.[28] Preferimos o primeiro entendimento.

21.8.2   Ausência de alegação por réu revel

            Pode acontecer que o réu não tenha vindo em nenhum momento ao processo; se, nesse caso, o juiz reconhecer mais tarde, de ofício, sua incompetência, não deve ser aplicada a sanção do § 1.º. Isto porque, a sanção se destina a punir a malícia, a fraude, na omissão em argüir, desde logo, a incompetência. Ao réu, que não esteve presente ao processo em qualquer oportunidade, não se pode atribuir essa conduta maliciosa. Nem se lhe poderia atribuir erro grosseiro, porque este, se existiu, partiu do autor, que escolheu mal o juízo onde propôs a ação.

21.9      Incompetência Relativa. Processos e procedimentos cabíveis. Processamento da Exceção e recursos

            No procedimento ordinário, a exceção poderá ser oferecida em quinze dias, o mesmo prazo da contestação e reconvenção (art. 305)[29], iniciando-se o prazo da data da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido ou do AR se a citação for pelo correio (art. 241, I e II).

            No procedimento sumário, a exceção deve ser interposta na própria audiência (art. 278), entendida a expressão ‘resposta’ com a ela extensiva.

            Nos procedimentos especiais, a exceção é sempre interposta no prazo da contestação, seja pelo princípio da eventualidade, seja porque a ausência de argüição no prazo importa em aceitação da competência.

            Na execução, a alegação de incompetência pode ser exclusiva matéria de embargos (art. 741, VII) e por exceção na forma do art. 742.

            No processo cautelar, o prazo é também o de defesa estipulado na lei.

            A exceção pode ser oferecida antes da contestação e reconvenção. Como é recebida no efeito suspensivo (art. 306)[30], o prazo para a defesa do réu só se reinicia depois que a exceção for definitivamente julgada. O réu poderá optar pela apresentação simultânea de todas as defesas, o que invariavelmente ocorre.

            A exceção deve ser argüida em petição autônoma, à parte, com fundamentação e documentação respectivas, sendo imprescindível a indicação do juiz para o qual declina (art. 307)[31], sob pena de indeferimento liminar.     

            O recebimento da exceção, suspende o andamento do processo (art. 306), devendo, por isso, ser autuada em apenso.

            A exceção pode ser indeferida in limine, quando manifestamente improcedente (art. 310).

            Recebida e “conclusos os autos, o juiz mandará processar a exceção, ouvindo o excepto dentro em dez dias e decidido em igual prazo” (art. 308); “havendo necessidade de prova testemunhal, o juiz designará audiência de instrução, decidindo dentro de dez dias” (art. 309).

            Julgada procedente a exceção, o processo deve ser remetido ao juízo competente (art. 311).

            Se o juiz declinado não aceitar a competência, poderá suscitar o conflito negativo de competência ao Tribunal competente (art. 115, II).

            Como se trata de ato decisório (decisão interlocutória), aquele que indeferir a exceção é agravável, por agravo retido ou por instrumento.

            Porém, se a exceção for acolhida, só caberá o recurso se o juiz declinado aceitar a competência.

22.       AÇÃO: Instrumento de provocação da jurisdição

            Já vimos, no decorrer do curso, que o direito objetivo ¾ complexo de normas providas de eficácia e vigorantes em determinados lugares (norma agendi, para os romanos) ¾ tutela certos e determinadas categorias de interesses, regulando, outrossim, os respectivos conflitos. Por conflito de interesses regulado pelo direito, dá-se o nome de relação jurídica. Essa se passa, em regra, entre pessoas, titulares dos interesses conflitantes: o sujeito ativo ou do interesse protegido, que será também o do direito subjetivo, quando a proteção do interesse dependa necessariamente do concurso da vontade do seu titular; o sujeito passivo, ou do interesse subordinado, ou da obrigação.

            De ordinário, os conflitos de interesses se resolvem pela subordinação dos seus sujeitos às ordens abstratas da lei que os regula. É a composição normal dos litígios, bastando o respeito à ordem jurídica, às normas de direito objetivo, para que os interessados se componham segundo o que elas prescrevem.

            Entretanto, nem sempre é assim. Não raro, as partes conflitantes não acomodam espontaneamente seus interesses, na conformidade da sua regulamentação jurídica. Um dos sujeitos manifesta sua vontade de exigir a subordinação do interesse do outro ao próprio (pretensão), manifestando, assim, uma pretensão. Isso acontecendo, o sujeito do interesse oposto pode assumir uma de duas atitudes: ou se conforma com a subordinação do seu interesse ou resiste à pretensão daquele a essa subordinação. No primeiro caso o conflito ainda se compõe pacificamente; na segunda hipótese, contudo, o conflito se dinamiza, configurando-se a lide, que é, como já disse, o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.

            A lide, como já vimos, perturba a paz social, convindo a esta que se componha com brevidade, solucionando-se o conflito segundo a ordem jurídica, restabelecendo-a.

            Vedada que é a autotutela ou autodefesa (salvante aqueles raríssimos casos em que a lei a permite) e dado que o Estado reservou para si, como um dos seus poderes, a função jurisdicional, cabe-lhe, no exercício dessa função, dirimir a lide com justiça, ou seja, conforme a vontade da lei reguladora do conflito.

            Contudo, como também já foi visto, a jurisdição é uma função provocada, exercitando-a o Estado por solicitação de quem lhe exponha uma pretensão a ser tutelada pelo direito (CPC, art. 2º).

            Essa provocação do exercício da função jurisdicional ¾ feita pelo sujeito do conflito de interesses, deduzindo sua pretensão no sentido de que se componha o litígio, condição primeira para tal função se exerça e se instaure o processo ¾ é a ação.

            Ação, jurisdição e processo é o trinômio que enfeixa o fenômeno da resolução do conflito de interesses; a ação provoca a jurisdição, que se exerce através de um complexo de atos, que é o processo.



[1] A Câmara dos Deputados , por dois terços de seus membros, autoriza a instauração (CF, art. 51, I), e o Senado Federal, sob a presidência do Pres. do STF, processar e julgar o Pres. e o Vice-Pres. da Rep. e outras autoridades de alto escalão (CF. art. 52, incs. I e II).
[2] CPC, art. 94: A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no domicílio do réu.
[3] CPP, art. 70: A competência será, em regra, determinada pelo lugar da infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
[4] CLT, art. 651: A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro lugar ou no estrangeiro.
[5] CPP, art. 72: Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu
[6] CPC, art. 87: Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando  suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
[7] CPC, art. 113: A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.
[8] CPP, art. 109: Se em qualquer fase do processo o juiz reconhecer motivo que o torne incompetente, declará-lo-á nos autos, haja ou não alegação da parte ... .
[9] CPC, art. 113, § 2º: Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.
[10] CPP, art. 567: A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.
[11] CPC, art. 111: A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.
[12] CPC, art. 102: A competência, em razão do valor e do território, poderá modificar-se pela conexão ou continência, observado o disposto nos artigos seguintes. (vide arts. 103 e 104).
[13] Exemplo de conexão pela causa de pedir: “se duas ações têm fundamento em um mesmo contrato, há identidade de causa de pedir, ensejando a sua reunião, com base na conexão” (RT 587/165)
[14] Exemplo de conexão pelo objeto: Se há reivindicação e um imóvel em uma ação, e em outra ação há pedido de declaração de usucapião, os processos devem ser reunidos em razão da disputa de ambas as ações versar sobre o mesmo objeto.
[15] Exemplo de continência mais comum: marido e mulher pleiteiam numa ação separação judicial e, em outra o divórcio. Ambas as ações têm as mesmas partes e visam à dissolução da sociedade conjugal, porém a ação do divórcio tem um objeto mais abrangente, pois, além da dissolução da sociedade conjugal, visa a dissolução do vínculo matrimonial, o qual pressupõe o vínculo conjugal  visado naquela.
[16] CPC, art. 106: Correndo em separado ações conexas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.
[17] Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.
[18] Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.
[19] Perempção: perda do direito de ação, que ocorre quando o autor dá causa, por três vezes, à extinção do processo por não promover os atos e diligências que competem, abandonando a causa por mais de trinta dias (perda do direito de demandar o réu pelo mesmo objeto).
[20] Art. 267, § 3º: O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV (ausência de pressupostos ...); V (presença da perempção, litispendência ou coisa julgada); VI (condições da ação) ....”
[21] Art. 248: Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dele sejam independentes
[22] Art. 467: Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário
[23] Art. 468: A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.
[24] Art. 485: A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: ....; II – proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente.
[25] Art. 495: O direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
[26] CPC, art. 113, § 1.º: “Não sendo, porém, deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos, a parte responderá integralmente pelas custas.”. O réu tem o dever de alegar no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos. A lei prevê as duas hipóteses no referido dispositivo; se o réu contestar, deverá fazer a alegação do vício na parte preliminar da contestação (art. 301, II); se não contestar, mas vier ao processo mais tarde, deverá alegar o vício na primeira vez que falar nos autos.
[27] Ver a propósito Celso Agrícola Barbi, in Comentários ao CPC, I vol., ed. Forense, 1983, p. 488.
[28] Ver, por exemplo, Ernani Fidelis dos Santos, in Manual de Direito Processual Civil, vol. I, ed. Saraiva, 1998, p. 158.
[29] CPC, art. 305: “Este direito (exceção) pode ser exercido em qualquer tempo, ou grau de jurisdição, cabendo à parte oferecer exceção, no prazo de 15 dias, contado do fato que ocasionou a incompetência, o impedimento ou a suspeição”. A expressão “em qualquer tempo ou grau de jurisdição”, deve ser entendida em termos. Ela não se aplica à incompetência relativa, pois, superado o prazo para resposta, ocorre a prorrogação e o vício da incompetência relativa se sana.
[30] CPC, art. 306: “recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que seja definitivamente julgada.”
[31] CPC, art. 307: “o excipiente argüirá a incompetência em petição fundamentada e devidamente instruída, indicando o juízo para o qual declina”.