Arquivo pessoal



Sobre o autor:

Aurélio Spina

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, em 2009.
Advogado.
Pós Graduando pela PUC-SP em Direito Processual Civil.
Membro da Comissão do Meio Ambiente da 33ª Subseção da OAB-Jundiai.
Contato: e-mail

RESUMO
O presente trabalho objetiva trazer à tona um tema emergente na processualística hodierna, qual seja, a antecipação de tutela em face do princípio da efetividade processual. Abordando de forma clara e precisa o instituto processual da antecipação sumária de mérito no sistema processual pátrio, sua história, suas características, suas espécies, seus efeitos e consequências, bem como, enfatizar a importância desta processualística de vanguarda frente aos anseios de uma sociedade evolutiva e dinâmica, carente de proteção jurídica. Expõe de forma técnica o instituto processual da antecipação de tutela propriamente dita, e de outros institutos esparsos da mesma natureza antecipatória de mérito.
O Trabalho procura explorar os pontos mais relevantes do instituto da antecipação de tutela, expondo-os à reflexão, bem como, demonstrar de forma irretorquível sua importância fundamental na busca pela verdadeira e efetiva aplicação das garantias constitucionais fundamentais de um Estado Democrático de Direito, diante do posicionamento da melhor doutrina, assim como, da jurisprudência mais adiantada neste sentido. Quer deste modo, estimular a reflexão sobre o tema das medidas emergenciais engrossando as fileiras da processualística contemporânea em busca de evolução constante, no sentido de dar ao processo sua verdadeira função instrumental de atender às necessidades de efetivação do direito material, sem afastar humanização do processo, de modo que, não somente satisfaça o direito, mas o faça de modo justo.
Traz também, uma abordagem filosófica e sociológica do direito frente à justiça, analisando os princípios constitucionais relativos à função jurisdicional, o Estado-juiz, deste modo busca sincronizar a necessidade da segurança jurídica frente à efetividade da tutela jurisdicional, no sentido de que, uma não se contrapõe a outra, mas trabalham conjuntamente de modo sinérgico em busca da concretização das garantias constitucionais fundamentais.

Palavras-chave: Tutela Antecipada. Efetividade. Jurisdição.


1. INTRODUÇÃO

A inserção da antecipação de tutela no sistema processual brasileiro em uma visão processualista hodierna, condizente com as bases de um Estado Democrático de Direito, deve-se ponderar entre as várias perspectivas hermenêuticas do direito à luz da efetividade da tutela jurisdicional[1]. Torna-se, portanto, a antecipação de tutela um instrumento jurídico-processual imprescindível na defesa dos interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e privados.
Em uma reflexão filosófica do direito, conclui Ihering[2] acerca da efetividade de forma lúcida dizendo da realização do direito neste sentido:
O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito [...].
Ainda Rudolf von Ihering[3]: “o Direito não serve senão para se realizar. Então,  não lhe basta uma ‘pretensão normativa’, é preciso que se lhe dê ‘efetividade social’”.
Diante destas palavras o autor nos remete a uma reflexão sobre a essência do direito, fazendo lembrar do período consuetudinário, do movimento iluminista e formação da escola do direito natural segundo a qual, existem normas que transcendem a positivação, elas nascem com o ser humano e estes direitos são inerentes da sua própria existência que se manifesta na sua vivência e convivência. Por isso as leis devem refletir a realidade no plano material, e diante dela se conformar (tomar a mesma forma), senão não haverá sentido em sua positivação.
A positivação não é fonte do direito, pois este precede aquele.
Podemos então perceber que o Ihering em seus pensamentos nos leva a compreensão de um direito supra-legal, e a idéia abstrata do Direito, o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e anterior[4].
Todavia, posta estas afirmações, e sendo o direito processual a forma de realização do direito material que se conforma com determinada realidade de um contexto, a efetivação destes direitos requer uma processualística condizente com as normas legitimamente positivadas, sendo estas normas, portanto, o reflexo da vontade de um povo soberano, e devem ser dotadas de capacidade instrumental de efetivação. Neste escopo as medidas de urgência, no caso, a antecipação de tutela é um poderoso instrumento de concretização da pretensão deduzida em juízo, realizando para aquele que o pretende de forma provisória, porém satisfativa e tempestiva. Não se pode conceber que um direito presumivelmente, liquido e certo, ou ainda evidente pereça ou faça o autor amargar o ônus de um processo ordinário naturalmente moroso, esse ônus deve ser suportado pelo réu.
Com uma retórica eloqüente o ilustre processualista Destefenni[5] ensina:
O procedimento ordinário consagra, em sua amplitude máxima, o princípio do contraditório. Todavia, no decorrer da história evidenciou-se que, em muitas situações, a solução proferida após cumpridas todas as etapas do procedimento ordinário tinha reduzida carga de efetividade. Tal fato contribuiu e vem contribuindo para o descrédito da sociedade em relação ao próprio Poder Judiciário. [...] Atualmente, porém, o que se busca é a sistematização destas ações ’desviadas’ do rito padrão, sempre objetivando maior efetividade na prestação jurisdicional.
É justo e prudente o crivo da justiça pelo qual se filtram as pretensões deduzidas em juízo através do devido processo legal, seja o contraditório, a ampla defesa ou o duplo grau de jurisdição, entretanto, é necessário em situações excepcionais abstrair-se do procedimento ordinário para que, justamente, não seja este procedimento de dimensão ampla, o causador de um dano maior e muitas vezes irreparável, devido ao perecimento do bem jurídico tutelado ou a inutilidade do provimento finalíssimo, qual seja, a sentença de mérito transitada em julgado.
2. JURISDIÇÃO E FUNÇÃO JURISDICIONAL

Neste capítulo trataremos da distinção entre jurisdição que é uma parcela do poder estatal que versa sobre a aplicação do ordenamento jurídico aos seus jurisdicionados e função jurisdicional que é efetivamente a forma de aplicação deste ordenamento jurídico ao caso concreto, esta função jurisdicional é exercida pelo juiz, onde basicamente resolve os conflitos litigiosos ou não, de forma preventiva ou repressiva com fulcro de obter a pacificação social.

2.1. Jurisdição

O Estado detém o monopólio do poder estatal, por isso, dizer que a jurisdição é una e indivisível, assim com a soberania, a divisão jurisdicional se dá apenas para alcançar maior eficiência e especialização da prestação jurisdicional, por meio de competências em razão do foro, da matéria, da pessoa.
Das diversas atividades jurisdicionais nas esferas, penal, trabalhista, eleitoral, militar etc. Interessa-nos a jurisdição civil objeto deste estudo.
Segundo Nelson Nery Jr.[6] na dicotomia da jurisdição civil temos duas espécies: a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária.
A jurisdição contenciosa no CPC, artigos 1º a 1.102c, aquela litigiosa oriunda de fato controvertido onde não há consenso e a jurisdição voluntária encontrada no CPC artigos 1.103 a 1.210, este tipo de jurisdição é também denominada pela doutrina majoritária de jurisdição graciosa ou, ainda, de administração pública de interesses privados. Neste tipo de jurisdição; “[...] não há processo, mas procedimento; não há lide, mas controvérsia; não há partes, mas interessado [...]”. Conclui o autor dizendo que: a jurisdição voluntária não é a jurisdição propriamente dita, porque o juiz não diz o direito substituindo as partes, apenas é elemento de integração de vontades.
Todavia, acerca da jurisdição voluntária, se esta se realizar sem a presença do magistrado o negócio jurídico celebrado não terá validade.
Araújo Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Dinamarco definem jurisdição[7]:
[...] é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares do interesse em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. [...] a jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade.
Nas palavras do Professor Leo Bariani[8], temos que a jurisdição que é: “a função, poder e dever do Estado de dizer o direito ao caso concreto(informação verbal), seu objetivo, portanto, é o de tutelar os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstas com fulcro na manutenção da paz social.
A Constituição Federal[9] de 1988 no seu artigo 2 º cria os poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) e estabelece a sua tripartição cada qual com sua autonomia e independência, porém, criando simultaneamente o sistema de freios e contra pesos, e assumindo a função jurisdicional de forma absoluta e exclusiva. Ao criar os poderes o Estado deve fornecer aos seus cidadãos o direito de pleitear perante este o Estado uma resposta à sua pretensão, de forma efetiva isto é, eficiente, adequada, tempestiva e justa, nas palavras de Destefenni temos que:
Não há o dever de acolher a pretensão, mas sim de, num prazo razoável e por meio justo e adequado processo, decidir o pedido. Além do dever do Estado-jurisdição de apreciar o pedido do autor (eventualmente também do réu), existe o dever do Estado-legislativo de dispor de um sistema de tutelas jurisdicionais. Sobre tudo quando se constata que a garantia outorgada ao cidadão vai além da mera garantia do direito de ação, isto é, de demandar em juízo.
A Jurisdição em suma é o Poder do Estado-juiz detentor do Poder de Império[10], capaz de impor aos seus jurisdicionados, de forma pacífica ou coercitiva a ordem legal, qual seja, vontade do povo legitimada no ordenamento jurídico. A jurisdição atua, portanto, como instrumento de pacificação social, uma vez que o Estado toma para si o monopólio da justiça, proibindo, em regra, a autotutela subsistindo para ele, Estado, o dever de atender aos clamores do seu povo por justiça.

2.2. Função Jurisdicional do Estado

Temos o parecer do ilustre doutrinador Marcos Destefenni[11]: “O conceito de Função Jurisdicional é sempre relativo, pois depende de circunstâncias históricas”.
Importante esta observação, pois a jurisdição atua em sincronia com a lei aplicável e a relatividade se dá em função do espaço e do tempo, ou seja, da constante mutação das leis decorrente da evolução social e o contexto onde o Poder Estatal foi criado e desenvolvido.
Assevera ainda Destefenni[12] que: “A Jurisdição ainda tem por função acautelar as situações de ameaça de lesão, evitando a concretização de danos”.
Diante desta afirmação, podemos concluir que as Medidas de Urgência, no nosso estudo, a antecipação de tutela, esta consagrada no Artigo 5º da CF/88, incisos XXXV e LXXVIII, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, do livre acesso à justiça, da celeridade e da efetividade processual, de tal forma que a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário qualquer situação de lesão ou ameaça de lesão a um direito.
Segundo o professor Cândido Rangel Dinamarco a jurisdição possui três escopos o Social, o Político e o Jurídico, ele cita em sua obra[13]: “A jurisdição tem inegáveis implicações com a vida social, tanto que é o reconhecimento de sua utilidade, pelos membros da sociedade, que a legitima no contexto das instituições políticas da nação”.
Seguindo esta linha de pensamento, temos então que, a Jurisdição vista de seus diversos ângulos tem seus objetivos concentrados na busca da justiça, que é a expressão pelo bem comum[14], preservando os valores de liberdade e igualdade.
A pacificação social e a justiça estão intimamente ligadas, uma vez que, para se alcançar a paz social é preciso que o Estado cumpra seu dever jurisdicional atendendo as necessidades da nação, educando seus jurisdicionados no sentido de que compreendam seus direitos e deveres como integrantes da nação.
Desta forma o Estado alivia a pressão infligida ao povo, reduzindo a litigiosidade de forma a atender os anseios de seus indivíduos. Ademais, não se pode deixar de salientar neste aspecto, a importância a Antecipação de Tutela no sistema processual hodierno consolidando o princípio da instrumentalidade do processo e acolhendo fenômeno do sincretismo processual, aliado ao principio da fungibilidade processual. Destarte, trazendo a processualística contemporânea maior agilidade e simplicidade e a conseqüente materialização do princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional.

2.2.1. Tutela Jurisdicional do Estado

O sentido semântico da palavra “tutelar” é proteger, deste modo entende-se por tutela jurisdicional ou proteção jurisdicional, a atividade do Estado, realizada pelo Juiz no exercício da função jurisdicional que efetiva esta proteção aos seus jurisdicionados, em regra, quando provocado pelo interessado, mas também pode e, quando pode, deve atuar de oficio, em situações excepcionais, pois nestes casos a lei prevê e autoriza, sendo sempre questão de ordem pública quando da intervenção jurisdicional, o magistrado opera auto-rompendo sua inércia (ex officio).
Acerca da tutela jurisdicional e sua efetividade o ilustre processualista Candido Rangel Dinamarco[15] comenta:
Nem sempre a sentença é em si mesma portadora da tutela efetiva e imediata. Tutela jurisdicional é o amparo que os juizes, no exercício da jurisdição, oferecem ao litigante que tiver razão (sempre Liebman), ou seja, é a concreta e efetiva oferta dos bens ou situações jurídicas que o favoreça na realidade da vida. É, em outras palavras, a real satisfação de uma pretensão.
A Carta Magna de 1988 em seu artigo 5o, inciso XXXV prescreve: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Contemplando assim no texto magno expressamente o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, garantindo o livre acesso à justiça de forma equânime, eficaz e efetiva. Talvez seja justamente a garantia do acesso à justiça a principal alavanca de impulso para se alcançar a almejada efetividade processual, e dentro deste contexto as tutelas emergenciais são um poderoso instrumento de efetividade para a realização da justiça.
Nas palavras de ilustre jurista Rui Barbosa[16]: "Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da justiça".
A dogmática jurídica de um Estado Democrático de Direito esta baseada em uma Constituição voltada à proteção de direitos e garantias fundamentais, priorizando a justiça social e o desenvolvimento de sua Nação. Esta supremacia constitucional é garantidora da Democracia, e a força normativa desta Constituição ordena e conforma a realidade política, social e jurídica da nação[17].

Segundo Marcos Destefenni[18] a dicotomia da tutela jurisdicional se dá em duas grandes espécies, quais sejam:
I-) tutelas definitivas: fundadas na idéia de certeza, levam a uma solução definitiva da lide, produzindo a coisa julgada material;
II-) tutelas provisórias de urgência: tendo por escopo a prestação mais célere, destinam-se a assegurar a efetividade e a utilidade da prestação jurisdicional principal, sem resolver definitivamente a questão de mérito, isto é, sem produzir a coisa julgada material.
Conclui o autor que a tutela definitiva produz seus efeitos depois do trânsito em julgado, enquanto, a tutela provisória de urgência exerce duas importantes funções, a de conservar (cautelar) e a de satisfazer (antecipatória), sendo esta última, objeto deste estudo.
O direito fundamental à tutela jurisdicional e sua efetividade é dirigido contra o Poder Público, mas repercute sobre a esfera jurídica das partes[19]. Decorre da observância do magistrado em atender o preceito constitucional de resposta ao autor, pois é dever do Estado, e ao juiz incumbe prestar a tutela jurisdicional, quando requerida e fundamentada o convencer.



3. EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

O tema efetividade da tutela jurisdicional é o lábaro da processualística hodierna mundial em que, cada vez mais, os estudiosos da ciência jurídica processual vem se aprofundando nas técnicas hermenêuticas para melhor compreender e aplicar a norma jurídica com o intuito de conferir-lhe eficácia jurídica ou mesmo negar-lhe a mesma, se esta for contrária à justiça.
Nas palavras de Carlos Maximiliano[20] a ciência filosófica da hermenêutica é aquela que:
[...]contém regras bem ordenadas que fixam os critérios e princípios que deverão nortear a interpretação. Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar, mas não esgota o campo de interpretação jurídica por ser apenas um instrumento para sua realização.
Mesmo a hermenêutica esta há evoluir neste sentido, pois ela não se esgota nas técnicas classicas de interpretação. Hodiernamente utiliza-se uma visão holística[21], ou seja, uma interpretação que transcende a norma voltando-se à investigação de suas raízes políticas e sociológicas (culturais, espirituais) do processo, congregando todo sistema hermenêutico de interpretação (teleológica / axiológica, sociológica, histórica etc), tudo em busca de uma efetividade jurisdicional que se preste a fazer justiça, ainda que extra-legal.
Abaixo o texto[22] apresenta a conclusão jurídica do chefe de Estado do Vaticano que ilustra muito bem o assunto:
Papa João Paulo II nos ensinou e advertiu que a experiência da história resultou na formulação do axioma[23]summum ius, summa iniuria’: o sumo direito é a suma injustiça. Esclareceu também que aquela experiência, aliada à de nossos dias, demonstra que a justiça não basta por si só, e que até pode levar à negação e a própria ruína. (Encíclica Dives in Misericordia (1980), n.7. Entenda-se, aqui, o direito como simples aplicação de leis e, a justiça, como sendo este direito).
Dentre estes posicionamentos jurídico-filosóficos e partindo para algo mais técnico e realístico temos Carta da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, prescreve: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Diante deste princípio da celeridade processual, insculpido na Lei Maior, temos o parecer do eminente processualista Candido R. Dinamarco[24] a respeito da inclusão da tutela antecipada no Código processual Civil:
Constitui objetivo da Reforma a ampliação de acesso à justiça, naquele significado generoso de acesso à ordem jurídica justa. O legislador, consciente de inúmeros óbices ilegítimos à plenitude da promessa constitucional de tutela jurisdicional efetiva, vem procurando elimina-los ou minimiza-los, de modo a oferecer aos usuários do sistema processual um processo mais aderente às necessidades atuais da população. [...] Daí porque, o objetivo central da Reforma é o acesso à justiça.
Em que pese à problemática da efetividade processual, é fascinante a possibilidade de exceder os limites de normas processuais ortodoxas, em prol da justiça e nesta esteira o pioneirismo brasileiro é notável pela adoção de técnicas capazes de produzirem efeitos práticos no universo jurídico. Podemos citar as medidas emergenciais tais como o poder geral de cautela, a fungibilidade das medidas de urgência, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de cunho satisfativo e as medidas cautelares de caráter conservativo, as liminares e também temos as que se destinam dar agilidade à efetivação da sentença ou da decisão provisória de antecipação de mérito como o cumprimento de sentença decorrente da execução forçada por meio da execução provisória.

3.1. Conceito de Efetividade

O conceito de efetividade esta relacionado com a capacidade de realizar algo, e desta forma, possa produzir os efeitos almejados transformando uma situação fática, ou seja, se materializando no mundo dos fenômenos da forma apropriada.
A efetividade reúne concomitantemente eficiência e eficácia que são conceitos sinérgicos, mas distintos. A eficiência é a capacidade de produzir algo ou um efeito desejado, já à eficácia é que o efeito produzido seja o adequado, útil para aquilo que se pretendeu, pois algo pode ser eficiente, porém, não necessariamente eficaz. Por exemplo, o direito protege o credor de um título executivo que pode promover a execução direta e imediata, este procedimento é muito eficiente instrumentalmente, entretanto, se o devedor pratica atos de insolvência, e ou dá sinais de dilapidação do patrimônio, e o credor não tiver formas de impedir o devedor, pode o credor não ver seu crédito satisfeito, ficando sem obter a eficácia esperada de um rito processual extremamente eficiente do ponto de vista formal. Por este prisma, se faz necessário à busca pela efetividade que é colocar no plano da realidade o fato, o direito material tutelado (pretensão) em sincronismo com o meio, o direito formal (processo) hábil a tornar real a pretensão deduzida em juízo.
Para solucionar a celeuma travada acima o legislador pátrio adornou o codex processual com a insígnia a antecipação de tutela, instrumento poderoso de efetividade processual, o qual reúne todas as virtudes que se espera da prestação jurisdicional, quais sejam: eficiência, eficácia, efetividade, celeridade, acessibilidade e segurança jurídica.
Pode se conceituar efetividade de vários ângulos, desde a organização do Estado, sua administração, suas entidades (ou a falta delas), suas estruturas físicas (fóruns), sua estrutura de pessoal (juizes, serventuários), a política de governo, a influência política (CPI’s sem resultado), e por fim, o nosso foco que é a tutela formal[25], composta por normas de ordem pública de caráter instrumental.
 Consoante a visão de Kasuo Watanabe[26] concorda que além dos meios instrumentais de efetividade, deve-se atentar para outros fatores igualmente fundamentais, vejamos:
[...] deve-se atentar também para outras circunstâncias essenciais à prestação dos serviços judiciais, como a organização judiciária, recrutamento dos juízes efetivamente preparados e com mentalidade aberta capaz de perceber a permanente e rápida transformação da sociedade contemporânea, remoção de todos os obstáculos que se anteponha ao acesso efetivo à justiça [...]. Entre outras providência importantes esta sem dúvida, o aumento do número de juízes, pois de nada adianta o aprimoramento dos mecanismos processuais se não há pessoas para aplicá-los.
Neste sentido temos a síntese muito apropriada do eminente processualista professor José Roberto dos Santos Bedaque[27] que leciona acerca da efetividade como garantia constitucional, vejamos:
A efetividade significa que todos devem ter pleno acesso à atividade estatal, sem qualquer óbice (effettivitá soggettiva); têm a seu dispor meios adequados (effettivitá técnica) para a obtenção de um resultado útil (effettivitá qualitativa), isto é, suficiente para assegurar aquela determinada situação da vida pelo ordenamento jurídico material (effettivitá oggettiva).
O Estado-juiz tem o dever de proporcionar aos seus jurisdicionados uma prestação jurisdicional capaz de atender todos seus anseios, porquanto, a prática processual não pode viver num ostracismo, mas sim, estar aberta a novos horizontes. É necessária quebrar paradigmas para evoluir, os operadores do direito e os magistrados devem sempre buscar formas de trazer para o processo seu verdadeiro “espírito”, qual seja, uma prestação jurisdicional justa, entendida por acessível, célere, eficaz, tempestiva, efetiva e justa. Somente assim, colocando o processo como instrumento da jurisdição para proteção e efetivação do direito material, poderá alcançar a pacificação social.

3.2. A Efetividade da Tutela Jurisdicional

O fenômeno da efetividade processual é fator de insofismável importância em uma perspectiva processualística contemporânea. A Efetividade processual é uma garantia constitucional prevista no Artigo 5º, inciso XXXV, que proclama o princípio da inafastabilidade da jurisdição, bem como, seu coadjunto, mas não menos importante princípio do livre acesso à justiça que garante o direito à tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada.
Consoante o professor Kazuo Watanabe[28] comenta que nos tempos modernos, a prestação da tutela jurisdicional será baseada no trinômio adequação-tempestividade-efetividade. Assim sendo, o processo deverá ser capaz de produzir o efeito mais justo e atender aos anseios do povo pelos ideais constitucionais de uma ordem jurídica justa e efetiva promovendo a pacificação social.
Bastante oportuna a lição do professor Destefenni[29] in verbis:
Não podemos esquecer da advertência de Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos: “A falta de efetividade das sucessivas Constituições Brasileiras decorreu do não-reconhecimento de força normativa aos seus textos e a falta de vontade política de dar-lhes aplicabilidade direta e imediata. [...] Uma história marcada pela insinceridade e frustração”.
O texto supra mencionado demonstra de forma irretorquível a subversão dos valores constitucionais e o proposital desrespeito a ordem jurídica suprema negando-lhe força normativa e reduzindo-a a meros preceitos alusivos. Ora, sendo o direto nacional positivista[30] e, portanto, seguindo a doutrina do normativismo lógico de Kelsen não haveria de ser de outra forma, que não, a supremacia de uma norma jurídica superior positivada, baseada segundo Kelsen no ele chama de norma fundamental. O desrespeito, portanto, à Constituição, e entenda-se por desrespeito, a não efetivação do comando imperativo constitucional, cria um ceticismo por parte dos cidadãos quanto à efetivação de seus direitos, o que comina em um descrédito total em relação ao Estado e seus poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).
O brilhante Professor Miguel Reale[31] trata do tema complementando o pensamento de Kelsen, que ilustra o dever ser da teoria pura do direito, de natureza puramente normativa vejamos:
“O direito é visto como: ‘um sistema escalonado e gradativo de normas, as quais atribuem sentido objetivo aos atos de vontade’. Elas se apóiam umas nas outras, formando um todo coerente: recebe uma das outras sua vigência (validade), todas dependendo de uma norma fundamental, suporte lógico da integralidade do sistema.”
Diante destas colocações percebe-se o quão importante é o respeito à supremacia da constituição de um país, sendo ela, o esteio de todo ordenamento jurídico, que deve ser-lhe submisso, sob pena de não ser incorporado ao mesmo, e se o for, sofrer ações de inconstitucionalidade e dele retirado, já que a regra do controle de constitucionalidade no Brasil, levianamente falando é realizado, em regra, de modo repressivo, pelo judiciário quando a lei formulada entrar em conflito com o ordenamento jurídico Superior.
Seguindo a diante, e olhando o direito por uma ótica sociológica é interessante notar como a sociedade civil tem consciência deste desrespeito às leis, que se reflete em manifestações políticas, culturais, etc. Os cidadãos expõem desta forma seu iconformismo com a ineficiência da jurisdição e o desrespeito à própria Constituição que rege o Estado.
Como então confiar nos poderes públicos se não cumprem seu papel fundamental, pois são corrompidos e corrompedores agindo de modo amoral, anti-ético e injusto, é claro que estas práticas não são generalizadas, pois há pessoas de conduta ilibada e caráter impecável, porém, os escandalos estão cada vez mais frequentes e aumentando em numero e grau. Neste caso fica o registro de alerta do povo pela situação fática frente a realidade da Republica Federativa do Brasil e a imperiosa necessidade de se atender aos anseios da Nação.
Todavia, é papel fundamental dos operadores do direito, o de concretizar os valores supremos da Carta Magna, acreditar na justiça e fazer valer os direitos constitucionalmente previstos e nunca retroceder – nem um passo – em desfavor da justiça.
A espada da justiça deve ser empunhada por homens capazes de ir além da mediocridade e perceber a realidade que os cerca transformando-á, não sendo transformado por ela. Só então poder-se-á, quem sabe algum dia, alcançar a verdadeira justiça.
É através de uma processualística audaz e tenaz  que se alcançará a tão almejada efetividade jurisdicional de fato, tempestiva, adequada, eficaz e justa.
Como vemos, esta audácia e tenacidade se faz presente nas constantes reformas do codex processual brasileiro e sua dinâmica evolução legislativa, buscando tornar real os preceitos constitucionais de seu preâmbulo, quais sejam:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Com o fenômeno da constitucionalização dos direitos, o ordenamento jurídico passa a ser respeitado e segue a Teoria Pura do Direito[32] de Hans Kelsen[33], que prevê um sistema de normas logicamente escalonadas[34], sistema este adotado pelo Estado.  Desta forma o ordenamento jurídico coloca do centro e no topo de seu sistema a Constituição, e logo abaixo a legislação infraconstitucional prevalecendo sobre todas outras normas, àquelas constitucionalmente previstas, bem como, seus princípios que contemplam direitos e garantias fundamentais.
Neste sentido a Constituição consagra princípios de direito constitucional processual, dando ao mesmo, força normativa hierarquicamente superior, repudiando absolutamente normas infraconstitucionais que não estejam em conformidade com o texto da Carta Política do Brasil, deste modo, vinculando o magistrado a atender a ordem constitucional no exercício da função jurisdicional trazendo, por conseguinte a segurança jurídica tão aspirada.
É neste contexto que se insere de forma brilhante o instituto da antecipação de tutela, tida por Destefenni[35] como: “Uma das mais importantes técnicas desenvolvidas pela nossa doutrina foi a de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional”.
Neste desiderato pela efetividade da tutela jurisdicional não podemos nos esquecer que para se alcançar de uma prestação jurisdicional efetiva, isto é, adequada, tempestiva e eficaz, o seu resultado almejado depende de outros fatores além da processualística, fatores estes que extrapolam a mera discussão doutrinária, como por exemplo o reduzido numero de juizes e foruns, porque não o melhor preparo dos juízes, advogados, serventuários e operadores do direito em geral, a informatização do judiciário etc. A a solução na busca de uma justiça efetiva  depende no seu todo dos esforços da sociedade civil e de seus representantes políticos, ou seja, uma atuação sinégica entre o Estado e seu povo. A teoria sem a prática é puro exercício de retórica, sem surtir efeitos no mundo dos fenômenos[36].
No decorrer dos estudos e durante as pesquisas realizadas acerca do tema, surgiu uma dúvida referente aos institutos da tutela jurisdicional e tutela processual, frequentemente mencionados como sinônimos, sem distinção entre eles.
 Tutela jurisdicional e tutela processual são termos sinônimos? Estará correta sua utilização unívoca[37] pela doutrina e também no cotidiano forense?
Será a tutela jurisdicional gênero, do qual a tutela processual é espécie? Ou serão ambas as espécies (gêmeas/análogas ou distintas) de um gênero (tutela estatal)?
Há este bacharelando de singelo conhecimento jurídico, quer parecer estes termos serem considerados, ou ao menos, utilizados como sinônimos. Então se questiona se são apenas termos distintos, mas unívocos, ou seja, são espécies comuns do mesmo gênero Tutela Estatal com mesmo significado, ou são espécies distintas do mesmo gênero e possuem significado diverso, porém sincronizados para o mesmo fim, qual seja, a efetividade da atividade (tutela) estatal.
Dessarte, conforme dito e redito alhures, a efetividade jurisdicional só se materializa através do processo. Poderia então o Estado prestar jurisdição sem o processo?
Na lição do professor Dinamarco[38] a respeito do processo, pode-se fazer uma analogia entre o(s) instituto(s) em questão e extrair deste texto uma conclusão, vejamos: “[...] Por direito processual entende-se o ramo do direito que rege as coisas do processo na justiça, ou seja, o processo jurisdicional”. Podemos observar que o autor trata dos termos como unívocos ou sinônimos, destarte, pode-se concluir tratar também de sinônimos os termos tutela jurisdicional e tutela processual.
O processo é, portanto, o meio, a forma, o instrumento pelo qual o Estado presta sua função/dever/atividade no caso jurisdicional. Para fins didáticos ou acadêmicos poderíamos até emergir uma diferenciação gramatical entre efetividade da tutela processual e efetividade tutela jurisdicional avaliando, por exemplo, questões semânticas ou léxicas, mas para fins práticos estes termos são usados como sinônimos no cotidiano forenses e atingem perfeitamente o seu fim, qual seja informar ou questionar a atividade Estatal para resolver os inúmeros problemas surgidos no plano material.
Porquanto, a tutela jurisdicional é o poder/dever/atividade de o juiz dizer o direito ao caso concreto decorrente do imperium[39] do Estado, assim sendo, o termo efetividade da tutela jurisdicional parece ter um sentido mais amplo que seu análogo; efetividade da tutela processual. O primeiro se mostra mais amplo como o poder do Estado o frente aos seus jurisdicionados, dentro do princípio da tripartição dos poderes, respaldada no poder de império, que atribui ao mesmo a força coatora e impositiva.
Coloca-se aqui a preciosa lição do mentor processualístico Bedaque[40], para tentar aclarar o tema:
Sabe-se que não existe apenas um tipo de processo. A tutela jurisdicional se apresenta de várias formas, com conteúdo diverso, tudo em função da natureza do direito a ser protegido. A modalidade de tutela processual depende única e exclusivamente do tipo de proteção de que o direito material necessita.
Tomando por base esta teoria, a efetividade da tutela jurisdicional seria algo maior que a efetividade da tutela processual, sendo esta a forma instrumental de efetivação e a primeira a plenitude da função/dever/atividade do Estado consolidada, e que uma vez alcançada no plano dos fatos, se materializaria no mundo dos fenômenos em todos os sentidos de efetividade.

3.2.1. Princípio da Máxima Efetividade da Tutela Jurisdicional
O princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional é aquele que determina que a prestação jurisdicional se realize no plano dos fatos e seja adequada, eficiente, tempestiva, eficaz e justa.
Segundo o professor José Roberto dos Santos Bedaque[41] afirma que garantia constitucional de ação representa: “[...] o direito de obter do Estado mecanismo eficiente de solução de controvérsia apto a proporcionar satisfação efetiva ao titular do direito, bem como impedir a injusta invasão na esfera jurídica de quem não se acha obrigado a suportá-la”.
O princípio da máxima efetividade da tutela jurisdicional é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, e que congrega outros princípios de natureza constitucional igualmente fundamental, para que realmente se obtenha uma prestação jurisdicional capaz de atender os anseios e as necessidades do povo. Diante da realidade social em que a norma esta inserida deve extrair desta, a sua “inteligência”, a sua “vontade”, a sua “vocação” aproximando o dever ser do contexto social e das reais necessidades específicas do caso concreto.
Todavia, a aglutinação de princípios fundamentais com vistas à efetividade processual pode trazer complicações à mesma, no sentido de que, pode haver colisões entre princípios de natureza constitucional.
Dentre os principais princípios conexos ao princípio da efetividade, temos o livre acesso à jurisdição, a inafastabilidade jurisdicional e porque não a independência dos juizes que lhes dá discricionariedade na busca da justiça.
Temos outros princípios fundamentais que se colidem aparentemente, com o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, por exemplo, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Nestes casos o que o magistrado deve fazer? Como ele deve agir?
Como bem se sabe, toda norma jurídica é dotada de eficácia, entretanto, sua eficácia requer efetivação que a fará produzir efeitos no plano fático. Estas normas devem ser interpretadas e aplicadas em busca da máxima efetividade sendo, portanto, função e dever do magistrado dar a ela a interpretação que integre a norma processual à norma material abstrata à necessidade do caso concreto.
Partindo então da idéia de que o princípio da efetividade da tutela jurisdicional é em sentido amplo, a soma da aplicação de vários princípios que simultaneamente e de forma sinérgica contribuem com a finalidade de proporcionar a efetividade da tutela jurisdicional e a promoção e manutenção da paz social, escopo da jurisdição.

3.3. Efetividade da Tutela Jurisdicional e Segurança Jurídica
Ao Estado-Juiz incumbe o dever de preservar a incolumidade da ordem púbica e garantir a pacificação social. Deve, portanto, priorizar a efetividade em favor dos ideais de justiça, que por sua vez pode sofrer prejuízo decorrente da demora na prestação jurisdicional pondo em risco não só a efetividade da tutela jurisdicional, como a própria a segurança jurídica.
Os diversos obstáculos à efetividade da tutela jurisdicional criam um estorvo à ordem jurídica justa, desta forma, na processualística hodierna não se deve admitir a ideologia anacrônica de que o instituto da antecipação de tutela poderá trazer prejuízos à segurança jurídica, é justamente o inverso, pois com vistas à Segurança e à Certeza jurídica, é que se deve privilegiar a efetividade da tutela jurisdicional, da qual a tutela antecipada é um poderoso instrumento de auxílio e concretização de uma ordem jurídica justa (adequada, eficaz e tempestiva).
O notável processualista Ovídio A. Baptista[42] ilustra de forma singela, não obstante, brilhante a questão da efetividade processual, in verbis:
Se supríssemos de um determinado ordenamento jurídico a tutela de aparência, impondo ao julgador o dever de julgar somente depois de ouvir ambas as partes, permitindo-lhes a produção de todas as provas que cada uma delas fosse capaz de trazer ao processo, certamente correríamos o risco de obter, no final da demanda, uma sentença primorosa no aspecto formal e assentada num juízo de veracidade do mais elevado grau, que, no entanto, poderia ser inútil, sob o ponto de vista da efetividade do direito reclamado pelo autor vitorioso [...].
Finaliza o autor[43], o raciocínio com a seguinte frase: “O que ganhássemos em segurança teríamos perdido em efetividade do direito”.
Não obstante, o aparente prejuízo à segurança jurídica não encontra apoio frente à premente necessidade de se alcançar a efetiva prestação da tutela jurisdicional, sendo que, a verdadeira segurança jurídica se mostra de forma irretorquível pela adequada, tempestiva e eficaz prestação jurisdicional, sem as delongas de um rito processual moroso que precede a cognição plena e exauriente.
Contudo, o magistrado deve alçar vôos maiores em busca da aclamada efetividade da tutela jurisdicional, lançando mão da técnica de cognição sumária, própria da tutela de aparência (tutela de urgência), como forma de trazer ao ordenamento jurídico sob a égide da Carta Magna a verdadeira segurança jurídica, qual seja, aquela que satisfaz os interesses da Nação.
Nas palavras do ministro do STJ, Cláudio Santos[44] que lembra de modo muito sensato o seguinte:
Reflete-se sobre a compatibilização da efetividade do processo com a segurança jurídica, concluindo-se que, para se manter a segurança, é necessário aplicação da técnica por uma magistratura preparada, ponderada e apta a atender aos clamores da sociedade.
Destarte, é fundamental que os magistrados estejam alinhados com as novas técnicas processuais para que não se tenha prejuízo tanto em efetividade, quanto em segurança jurídica.
Neste contexto vejamos a colocação segundo Ovídio A. Baptista[45] :
[...] a tendência moderna orienta-se no sentido de dar maior relevância à efetividade dos direitos reconhecidos pela ordem jurídica, com o correspondente sacrifício da segurança obtida com o processo ordinário de cognição plena.
Importante ressaltar que em face da busca incessante pela efetividade processual não se deve reduzir o processo a um mero instrumento, pois sua aplicação e seu desenvolvimento regular importam também em segurança jurídica, por outro lado, o excesso de formalidades traz ao processo uma condição patológica que extrapola, por vezes, os limites do aceitável e do justo. Destarte, deve-se usar de prudência e sensatez agindo de modo moderado e ponderado ao enfrentar situações de pleito emergencial, porém, não menos destemido.
Na resenha da obra recém lançada pelo processualista Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[46] ele apresenta uma posição de vanguarda onde o se faz uma proposta de um formalismo que ele chama de formalismo valorativo contrapondo-se ao formalismo puro e simples, vejamos um trecho da resenha:
[...] o formalismo processual deve assumir o significado de um formalismo-valorativo, no sentido de que as formas processuais não devem ser excessivas enquanto fins em si mesmas, mas sim orientadas à tutela dos direitos fundamentais. O processo é concebido essencialmente como fenômeno cultural harmonizado aos valores. A justiça representa o valor final. A segurança jurídica e a efetividade da tutela jurisdicional (freqüentemente em conflito entre si), como também a igualdade, os valores instrumentais. As técnicas empregadas de modo correto são os instrumentos para atingir os valores.
O mesmo[47] autor também alerta sobre o fato de uma posição extremista quanto ao informalismo processual, lembrando:
[...] deve-se sempre procurar alcançar o justo equilíbrio entre o informalismo excessivo, que terminaria por atribuir ao juiz poderes arbitrários, e o formalismo excessivo, que poderia determinar uma extinção patológica do juízo antes da decisão de mérito por razões puramente formais.
A dogmática jurídica deve ser abrandada frente à questão da segurança jurídica, pois esta mesma segurança jurídica proclamada como esteio do Estado democrático de direito, pode provocar a corrosão de suas bases se for levada ao extremo. Pode-se exemplificar que um juiz em determinada situação de julgamento, frente às jurisprudências que lhe foram postas em respeito às leis injustas, decida em favor delas em prejuízo do que ele mesmo acredita e se convenceu, e pior, em prejuízo da parte. Isto não seria segurança jurídica, mas insegurança.
Observemos a intrigante dialética travada entre as idéias do Professor Marinoni[48] frente à postura rígida de Montesquieu, vejamos atentos:
Para Montesquieu[49], o julgamento não poderia ser ‘mais do que um texto exato da lei’; o juiz, portanto, deveria ser apenas a bouche de la loi, ou seja, um juiz passivo sem qualquer poder criativo ou de impérium. Eis a passagem da obra de Montesquieu em que se pode identificar a alusão ao juiz como bouche de la loi: ‘poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são como dissemos, mais do que a boca que pronunciasse as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu vigor’. Conclui Marinoni que: manter o juiz preso à lei seria sinônimo de insegurança.
Diante do exposto, deve-se sempre haver um juízo de valores, ponderando-os e contrastando-os, aplicando ao caso concreto a decisão que lhe seja mais justa. Os paradigmas jurídicos servem para orientar, não para vincular, uma vez que, cada caso – embora semelhante – é um caso singular, e como tal deve ser apreciado individualmente. Requer desta feita, uma magistratura arrojada e preparada para levar o direito mais próximo possível da justiça.
A busca pela segurança jurídica não deve atingir um estado patológico, tal qual, o radicalismo de posições extremistas que abandonam o bom senso transformando juizes em seres inanimados desprovidos de convicções e racionalidade.
Nas palavras do professor Carlos Aurélio Mota de Souza[50], temos a apreciação entre Segurança, Certeza jurídica e Justiça, vejamos a preciosa lição:
Desta forma, a Segurança objetiva das leis dá ao cidadão a Certeza subjetiva das ações justas, segundo o Direito. [...] Segurança e Justiça, portanto não se contrapõem, mas enquanto esta é um poder moral, desarmado, sua garantia de efetivação no direito repousa na materialidade objetiva da segurança jurídica.
Conforme já demonstrado há necessidade de se conciliar segurança e certeza jurídica, que se traduz em efetividade da tutela jurisdicional para que haja verdadeiramente justiça.
Devemos acreditar na realização de uma sociedade justa fraterna e solidária, fundamentada em um Estado Democrático de Direito. Esta utopia sócio- jurídica deve ser mantida e fomentada pois servirá de alicerce para se buscar os objetivos constitucionais nacionais.
Acerca da utopia o professor uruguaio Eduardo Galeano[51], faz uma interessante reflexão:
“A utopia está no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte se distancia dez passos mais além. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.

Como se canta neste magnífico Hino Nacional[52] brasileiro;
[...] Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

É nobre acreditar em tais valores, e aos operadores do direito é dever de buscar sempre justiça com destemor e valentia, como princípio maior, pois só através dela se trará dignidade à pessoa humana, o respeito e a paz social.
Portanto não devemos nos afastar dos ideais de justiça e acolher as idéias simplistas e retrógradas de homens sem ambição e acomodados ao sistema, que os adestrou. Devemos sim, caminhar avante só assim haverá uma verdadeira evolução da república Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito.
Vejamos o texto muito bem lembrado do professor Juiz Mauro Nicolau Junior[53], que segue:
Acima da segurança está sempre, como valor supremo, a justiça, não sendo de repetir-se com apoio a frase de Goethe: "Prefiro uma injustiça à desordem", como têm feito vários desses autores, porque revela um profundo egoísmo burguês, um medo das transformações sociais e prega um conformismo inadmissível. Radbruch sustentou em 1932 que a segurança está acima da justiça, mas depois que viu os horrores do nazismo, pregou a volta ao direito natural, reconhecendo que a injustiça é sempre injustiça, ainda que apresentada sob a forma de uma lei.

Segurança jurídica e a certeza do direito são fundamentais para que haja justiça e não a desordem. Diante das posições antagônicas acima demonstradas, sobressai o equívoco da afirmação de Goethe na sua infeliz manifestação frente ao argumento de Radbruch que presenciou a lei e a ordem como forma absolutista de opressão de um governo déspota que possuía a certeza e a segurança jurídica, mas com ausência de justiça.
Por estes fatos históricos e outras realidades que se foram, como o caso do comunismo da URSS que apenas servia de cortina de manutenção da estrutura elitista que detinha o monopólio do poder de modo tirano, bem como outras sociedades que, ainda hoje, permanecem sob condições de opressão.





3.4. A Instrumentalidade do Processo como forma de Efetividade Processual

Antes de adentrarmos no tema propriamente dito, interessante conhecermos de forma sucinta a evolução doutrinária do direito processual civil no Brasil apresentado no livro Teoria Geral do Processo[54] a partir do ano de 1940, liderado pelo professor italiano Enrico Tullio Liebman que fora aluno do mais prestigioso processualista italiano de todos os tempos Chiovenda (grifo nosso).
Lieberman[55] foi precursor da processualística moderna no Brasil introduzindo uma visão instrumentalista[56] do processo versus o paradigma procedimentalista adotado na época. Por toda essa evolução científica do direito processual brasileiro, foi Enrico Tullio Liebman agraciado com a comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais honrosa condecoração concedida a um estrangeiro. (grifo nosso)
Numa visão processualística contemporânea dentro de um Estado Democrático de Direito, o Direito Processual se presta como instrumento hábil à realização da justiça e a pacificação social, deste modo, a técnica da instrumentalidade processual é o caminho mais lógico e equitativo, para se alcançar o ideal de efetividade processual e a consecução de uma ordem jurídica mais justa.
Nas sábias palavras do professor Cândido Rangel[57] tem-se que:
“É a instrumentalidade o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual, [...]”.

Dessarte, não se pode negar o “espírito instrumentalista”, presente nos operadores do direito que buscam incessantemente o aprimoramento das técnicas processuais, propriamente ditas, no sentido de um evoluir jurídico-legislativo de caráter instrumental, para a realização do direito substantivo (material).
Ainda nas veredas do eminente processualista Dinamarco[58] que afirma: “[...] a instrumentalidade do sistema processual é alimentada pela visão dos resultados que dele espera a nação”.
Nesta mesma linha o douto jurista Luiz Guilherme Marinoni[59] assevera que:
Há, portanto, necessidade de que o processualista se conscientize ‘de sua ciência, não obstante autônoma, só tem sentido se servir de maneira eficaz seu objeto’. ‘O processo é instrumento e, como tal, deve ser moldado [...]. [...] O processo se desenvolve sob várias formas, mas deve adequar-se à sua finalidade precípua, a tutela de uma situação concreta.
Consoante à idéia de instrumentalidade do processo, o catedrático processualista Arruda Alvim[60] se posiciona claramente deste sentido, senão vejamos:
É instrumental com a significação de que o processo raramente pode constituir-se num bem em si. [...] Nesse sentido, pode dizer-se um direito-meio, não encerrando um fim em si mesmo.[...] Já se verificou que o processo civil é inspirado em princípios fundamentais, e, assim sendo,  finalisticamente suas normas têm a nosso ver caráter ideológico [...].
Deveras, aceita-se o axioma de que o processo é um meio para se alcançar um fim, o instrumental é acessório do principal , embora independente, só faz sentido a existência de um, pela existência do outro (direito material), sendo portanto, a direito processual colocado a serviço do direito material.

Na expressão conclusiva do professor Dinamarco[61] notamos com clareza a postura instrumentalista moderna no codex processual brasileiro, observe:
Nessa disciplina, vê-se de modo muito manifesto o intencional jogo de probabilidades e riscos, mediante o qual pretendeu o legislador, em postura instrumentalista, assegurar a efetividade do processo e sua capacidade de produzir os efeitos desejados, sem a rigorosa preocupação pela coincidência das medidas concedidas com os reais desígnios do direito material.

A Antecipação de Tutela é um instrumento processual que age em sincronismo perfeito com o Principio da Efetividade Processual, que busca a concretização do direito material posto à apreciação do judiciário de forma a atender ao clamor de uma sociedade contemporânea dinâmica, exigente e intelectualizada.
Na mesma linha de raciocínio o jurista Marcos Destefenni[62] faz suas as palavras do exímio processualista Professor Cândido Rangel Dinamarco, in verbis:
[...] a ação é um direito subjetivo instrumentalmente conexo a uma situação concreta. É preciso não perder de vista o binômio ‘direito-processo’, nem esquecer que todo sistema processual vale, afinal, como método destinado à efetivação do contexto apresentado pelo direito objetivo material [...]

Neste sentido, os autores da obra Teoria Geral do Processo[63], apresentam a instrumentalidade por dois aspectos, o positivo e o negativo. O aspecto positivo diz respeito à ligação do sistema processual com o direito material, e o aspecto negativo informa que o processo não é um fim em si mesmo, e não deve na pratica tornar o processo um instrumento apto a contrariar os desígnios do direito material, do qual, ele é o instrumento de efetivação.
Acerca da instrumentalidade e da efetividade processual conclui-se no sentido de que não pode, não deve o direito e a justiça sucumbir ao processo.

3.4.1. Princípio da Instrumentalidade das Formas

A instrumentalidade das formas é tão somente o aspecto negativo da instrumentalidade processual (item 3.4, supra), diz respeito apenas ao direito formal (processual) e sua aplicação. Do ponto de vista da processualística hodierna é uma ferramenta garantidora do livre acesso à justiça, bem como, meio de efetividade processual.
O princípio da instrumentalidade vem insculpido no artigo 244 do CPC, e prescreve que, deste modo, os atos processuais quando alcançarem seu objetivo, cumprindo sua finalidade precípua, sem cominação de nulidade, pouco importa se a forma foi adequada, desde que lícita e apta a produzir os efeitos almejados, a instrumentalidade permite o sucesso do processo para alcançar seu fim, fazendo valer o direito material.
Vejamos o julgado extraído da obra de Theotonio Negrão[64]:
Art. 244: 3. Segundo proclamou o recente IX Congresso Mundial de Direito Processual, é em dispositivo do nosso CPC que se encontra a mais bela regra do Atual Direito Processual, a saber, a insculpida no art. 244, onde se proclama que ‘quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade’ (STJ- RT 683/183).

Portanto, se indene a outra parte, há que se convalidar o ato processual com base na regra da instrumentalidade, proporcionando maior celeridade e efetividade ao processo e, por conseguinte, dando ao mesmo o cumprimento de sua função social.



Na obra Teoria Geral do Processo[65] os autores sintetizam este princípio da seguinte forma:
[...] princípio da Instrumentalidade das Formas segundo o qual as exigências formais do processo só merecem ser cumpridas à risca, sob pena de invalidade dos atos, na medida em que isto seja indispensável para a consecução dos objetivos almejados; [...] o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo.
Não deve afastar a idéia de que o processo não é um fim em si, como já dizia Cássio Scarpinella Bueno[66], que o processo é um instrumento para servir a certas finalidades e estas finalidades estão previstas no direito material.

A jurisprudência contemporânea já se firma neste sentido dando à instrumentalidade seu devido valor como forma de efetividade jurisdicional e princípio norteador do processo, senão vejamos o julgado retirado da doutrina do professor Marinoni[67], ora transcrito:
Instrumentalidade. O STJ vela pela exata aplicação do direito federal, atento à circunstância de que o nosso sistema processual é informado pelo princípio da instrumentalidade das formas. Daí que poderá o eventual descumprimento de determinada disposição legal não conduzir à inutilização do processo (STJ, 3ª T., AgRg em Ag. 70.026-GO, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 22.6.1995, v.u., DJU 25.5.1995, p. 31.107).
O princípio da instrumentalidade das formas é dotado de uma visão holística do processo contemplando, portanto, de modo amplo e interligado o contexto onde a norma esta inserida, procurando dar à norma a interpretação necessária para sua efetivação em benefício de uma justiça maior.



3.5. O Sincretismo processual

A palavra Sincretismo[68] significa a fusão de elementos diferentes ou até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns traços originários.  É também, a reunião artificial de idéias ou teses.
O fenômeno do sincretismo processual hodiernamente vem ganhando força com o advento da Lei 11.232/2005, que congregou o processo de conhecimento ao processo de execução para título executivo judicial, sem a necessidade de nova ação para a execução, podendo o credor executar o devedor nos próprios autos do processo, sem a necessidade da formação de um processo autônomo de execução com era anteriormente, assim dispõe o artigo 475-J do CPC:
Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.
Este é um exemplo típico da tendência sincrética do processo, em que existi um único processo com medidas de natureza diversas, constituído, por exemplo, de uma fase de cognição e outra execução, em uma única relação jurídico-processual, consequentemente, resplandecendo nestes procedimentos os princípios da agilidade, celeridade, simplicidade, economia e principalmente a efetividade da prestação jurisdicional. A execução forçada por meio do cumprimento de sentença que traz também um menor ônus processual (financeiro, físico e psicológico), para o Estado, o juiz e as partes.
Há também outros exemplos de sincretismo processual, como é o caso da Justiça do Trabalho em audiência una de conciliação e julgamento, os Juizados Especiais criado pela Lei 9.099/05, que condensam seus procedimentos. Estes ritos processuais proporcionam ao jurisdicionado o acesso a justiça adornado pela proclamada efetividade processual e reduz a litigiosidade contida.
Conforme comentado alhures, a nova redação do artigo 273, § 7º do CPC, vem coroar o princípio do sincretismo processual, inovando de forma arrojado a processualística brasileira e valorizando de forma expressa o princípio da efetividade processual, pois no bojo de um processo de conhecimento o magistrado pode deferir medidas urgentes de cunho satisfativo (execução), como por exemplo, a antecipação de tutela e as cautelares.
Vejamos o que diz o ilustre processualista Eduardo C. Alvim[69] acerca do fenômeno do sincretismo processual no tocante a inovação do artigo 273, § 7º, CPC:
Um dos pontos mais importantes da reforma veio através do § 7° do art. 273, que é manifestação de lege lata do fenômeno denominado sincretismo processual. O sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais de uma tutela jurisdicional, simpliciter et de plano (de forma simples e de imediato), no bojo de um mesmo processo, com o que, além de evitar a proliferação de processos, simplifica (e humaniza) a prestação jurisdicional (...) O sincretismo processual permitiu que o legislador admitisse, expressamente, que, requerendo o autor, a título de antecipação de tutela, uma providência de natureza cautelar, possa o juiz, se presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Consoante à inovação o Professor Lucio Delfino[70] em seu livro se pronuncia de acordo com José Miguel Garcia Medina que, em obra de peso, revê o processo de execução através de uma ótica evolucionista, salientando tratar-se o sincretismo processual um verdadeiro princípio do processo civil moderno:
Logo, o §7º do art. 273 do CPC veio a acrescer o rol de situações previstas na lei em que o órgão julgador encontra-se autorizado a deferir medidas cautelares independentemente da propositura e existência de ação cautelar autônoma. Em sendo assim, uma interpretação sistemática dos arts. 273, §7º e 797, conduzirá o julgador ao caminho seguro do sincretismo processual, tornando desnecessária a criação de um outro processo (cautelar), minimizando a formalidade excessiva em prol do estímulo e prática dos ideais de efetividade, economia e instrumentalidade. Diga-se a propósito, a expressão sincretismo vem, a cada dia, ganhando força na linguagem jurídica, principalmente no que se refere à relação existente entre os processos de conhecimento e execução – já se fala, inclusive, em princípio do sincretismo entre cognição e execução. Se utilizada coerentemente, a fórmula do sincretismo certamente propiciará ao processo maior celeridade à satisfação da tutela jurisdicional, unificando técnicas até então tidas como quase inconciliáveis, harmonizando-as como notas de um mesmo acorde ou cores numa feliz combinação – valendo-se aqui de poético fragmento de consagrado romance de Morris West.
Em regra, o sincretismo processual busca dar sinergia aos procedimentos que se conglomeram em situações especificas (cognição e execução) aliado a institutos maximizadores do processo como à instrumentalidade e a fungibilidade conseguem se aproximar da máxima efetividade da tutela jurisdicional.

3.6. A Fungibilidade nas Medidas de Urgência

Colhendo as preciosas idéias do processualista Destefenni[71], é bem lembrado o instituto da fungibilidade presente em outros campos do direito como os bens fungíveis e infungíveis no direito civil, e que esta associada à idéia de substituição de uma coisa por outra. (grifo nosso)
 Além da fungibilidade processual das medidas de urgência, temos também a regra da fungibilidade do artigo 920 do CPC, que trata das ações possessórias que no caso são fungíveis, pois a propositura de uma ação possessória diversa da devida, o magistrado deverá conhecer o pedido e adequá-lo à ação apropriada.


A questão da fungibilidade das medidas de urgência decorre do advento da Lei nº 10.444/02 que acrescentou ao artigo 273 do CPC o seu § 7º que diz:
Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.
Conforme comentado alhures, a instituição do §7º, torna processualística brasileira proeminente, tomando posição de destaque entre o processo civil contemporâneo no cenário mundial.
Marcos Destefenni[72] lembra bem, a controvertida questão da fungibilidade que opera nos dois sentidos, ou seja, a fungibilidade de mão dupla, perspectiva esta que causa certa celeuma na doutrina. O referido autor cita a lição do Professor Dinamarco que explica a razão da fungibilidade entre as medidas de urgência: “Cautelares e antecipatórias são as duas faces de uma moeda só, elas são dois irmãos gêmeos ligados por um veio comum que é o empenho de neutralizar os males do tempo-inimigo”.
Neste sentido o acórdão infra transcrito proferido pelo TJMG[73] referente à questão da fungibilidade das medidas de urgência em duplo sentido:
Ementa: Agravo de Instrumento - Ação de Busca e Apreensão c/c Indenização - Antecipação Parcial da Tutela - Medida Cautelar - Fungibilidade - Pedido de Transferência da Posse Direta Sobre Bens Semoventes - Presença dos Requisitos do Art. 273, Cpc - Recurso Provido. Admitindo-se o pleito como de antecipação parcial da tutela, cabe observar se estão presentes os requisitos para seu deferimento, quais sejam: a prova inequívoca da verossimilhança das alegações do agravante, aliada ao receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou à caracterização de abuso de direito de defesa ou, ainda, ao manifesto propósito protelatório do réu/agravado. In casu, restou demonstrado estarem presentes os requisitos autorizadores da antecipação parcial dos efeitos da tutela pretendida pelo agravante, a fim de determinar a imediata busca e apreensão dos doze semoventes adquiridos por ele, identificados com a marca do Sr. Olto Serafim da Silva.
Ainda na questão controvertida da fungibilidade do Art. 273, § 7º do CPC, Destefenni coloca o tema segundo a visão do ilustre professor Rangel Dinamarco[74] e sua tese do “duplo sentido vetorial”, que defende a aplicação da fungibilidade em dois sentidos ocasionando a possibilidade de substituição de um instituto pelo outro e vice-versa vejamos o que ele diz:
O novo texto não deve ser lido somente como portador da autorização a conceder uma medida cautelar quando pedida à antecipação de tutela. Também o contrário esta autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz estará autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma só direção. Em direito, se os bens são fungíveis, isso significa que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um.
Consoante, o Ilustre processualista José Roberto dos Santos Bedaque[75] leciona: “[...] não deve haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder tutela antecipada em lugar de cautelar”. Ora, diante de tantos pareceres favoráveis à fungibilidade no duplo sentido das tutelas de urgência, resta claro, que o fato de não ser mencionada expressamente, não exclui sua aplicação, haja vista o posicionamento da melhor doutrina em ênfase.
Ainda nessa mesma seara de pensamento Bedaque[76], reflete sobre a ciência processual moderna e conclui em lição elucidativa acerca da finalidade do direito processual:
[...] a principal missão do processualista é buscar alternativas que favoreçam a resolução dos conflitos. Não pode prescindir, evidentemente, da técnica. Embora necessária para a efetividade e eficiência da justiça, deve ela ocupar o seu devido lugar, como instrumento de trabalho, não como fim em si mesmo. Não se trata de desprezar os aspectos técnicos do processo, mas apenas de não se apegar ao tecnicismo. A técnica deve servir de meio para que o processo atinja seu resultado. [...] é preciso conciliar a técnica processual como seu escopo. Não se pretende nem o tecnicismo exagerado, nem o abandono total da técnica. Virtuoso é o processualista que consegue harmonizar esses dois aspectos, o que implicará a construção de um sistema processual apto a alcançar seus escopos, de maneira adequada.
Conclama o eminente doutrinador a busca pelo equilíbrio entre técnica processual e sua finalidade de atender ao direito material, ou seja, a busca pela tecnicidade processual não deve levar a um tecnicismo exacerbado e alienado de seu verdadeiro objetivo, qual seja, servir a efetividade da prestação jurisdicional justa.
Consoante está à lição do ilustre professor Lúcio Delfino[77], que expõe a celeuma da fungibilidade com brilhantismo, in verbis:
[...] Revela-se, daí, o princípio constitucional do direito à ação, evidenciando, dentre outras conseqüências, ser plenamente possível uma interpretação extensiva do art. 273, §7º, do CPC, a ponto de permitir a apreciação de tutela antecipada formulada num processo cautelar. [...] em casos onde a urgência reina, o juiz não deverá se ater apegado demasiadamente à forma; impõe-se a ele, ao contrário, preocupar-se com o jurisdicionado, buscando avaliar aquela situação emergencial posta ao seu conhecimento, desprezando, apenas inicialmente, o rótulo dado à ação. Nessa perspectiva, é crível a conclusão de que não é aconselhável ao juiz fundamentar sua suposta impossibilidade de apreciar o pedido antecipatório satisfativo, feito no bojo de um processo cautelar, com base no argumento de que “a lei processual não previu tal caminho”, porquanto é a própria Carta Magna que reza que lei alguma excluirá da apreciação do Poder Judiciário ‘ameaça de direito’. Tal fundamentação mostrar-se-ia evasiva e, pior, manifestamente irresponsável.
Prossegue neste sentido o Professor Lúcio Delfino[78]:
Sob outra ótica, autorizado está o julgador a valer-se do princípio da proporcionalidade visando a justificar os passos seguidos na trajetória relegada pela lei processual. Obviamente, se sopesados os interesses em jogo na demanda, o poderá o juiz decidir, com acerto, qual a melhor solução para o caso concreto: privilegiar um pedido antecipatório satisfativo urgente, muitas vezes ligado á própria vida, saúde ou dignidade do requerente, ou, por outro lado, seguir rigorosamente a direção traçada pelo ordenamento processual, extinguindo de plano o processo. O apego à primeira opção é, sem dúvida, a via mais segura. [...] Como já dito alhures, os pressupostos ensejadores do deferimento do provimento antecipatório são mais rigorosos que aqueles que autorizam a concessão da tutela cautelar.
Tema polêmico e não pacífico na doutrina, a questão da fungibilidade em mão dupla, pois poderá o juiz relegar a lei a um segundo plano (positivada), ao qual é atado, e buscar o a essência do direito que é a justiça aplicando, por exemplo, regras de um sistema jurídico aberto[79], como a common law, em detrimento das regras do sistema fechado como o romano-germânico adotado no Brasil. Bem, foi-se o tempo em que o juiz era mero espectador da lide, hodiernamente, não se aceita esta posição de inércia absoluta.
Diante deste cenário, Álvaro Lazzarini[80] afirma:
[...] que a magistratura sujeita-se a um atuar deontológico, consubstanciado no que denominamos ser uma verdadeira Deontologia da magistratura, ou seja, no nosso conceito, o conjunto de regras de conduta dos magistrados, necessário ao pleno bom nome e reputação, como também da instituição a que serve, no seu múnus estatal de distribuir a Justiça na realização do bem comum.
Não obstante, o juiz deverá proceder dentro do poder geral e aplicar a regra da fungibilidade em obediência à inafastabilidade da jurisdição e sua efetiva prestação jurisdicional, utilizando-se da medida adequada, que seja apta a produzir os efeitos necessários à garantia e proteção do bem jurídico tutelado, bem como do processo efetivo.

Em sua obra o eminente Juiz Federal Antônio Souza[81] Prudente com a conclusão sublime da ministra do STF Carmem Lúcia:
[...] uma Justiça humanamente plural e essencialmente ética exige muito mais do juiz, vocacionado a possibilitar a concretude dos direitos, no processo de sua afirmação libertadora dos modelos anteriormente adotados e superados pela experiência política da sociedade.

Segue o mesmo autor expondo a visão de Eduardo Couture,[82]:
A virtude ética do juiz Na sociedade do terceiro Milênio (Título)
[...] o juiz é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do Direito; e se essa partícula de substância humana tem dignidade e hierarquia espiritual, o Direito terá dignidade e hierarquia espiritual. Porém, se o juiz, como homem, cede ante suas debilidades, o Direito cederá em sua última e definitiva revelação. A sentença poderá ser justa ou injusta, porque os homens necessariamente se equivocam. Não se inventara ainda uma máquina de fazer sentenças. No dia em que for possível decidir os casos judiciais, como decidem as carreiras de cavalos, mediante um olho eletrônico que registra fisicamente o triunfo ou a derrota, a concepção constitutiva do processo carecerá de sentido, e a sentença será uma pura declaração, como queria Montesquieu. Enquanto não se fabrica essa máquina de fazer sentenças, o conteúdo humano, profundo e entranhável do Direito não pode ser desatendido nem desobedecido, e as sentenças valerão o que valem os homens que as ditam.
Da dignidade do juiz depende a dignidade do Direito. O Direito valerá, em um país e num momento histórico determinado, o que valem os juízes como homens.
No dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo.
Não se deve conceber um regime jurídico-processual restritivo e inflexível, o direito processual contemporâneo vive momentos que transcendem a mera codificação, trazendo a baila uma visão holística do processo em busca da efetividade da tutela jurisdicional, bem como, seus princípios norteadores sem jamais esquecer as teorias instrumentalistas e o sincretismo processual que trazem a baila formulas de solução de conflitos que extrapolam o simples positivismo kelsiniano romano-germânico que engessa o judiciário. Vale lembrar do ponto de vista histórico que este positivismo ortodoxo apregoado por Kelsen tem origem na opressão e na tirania imposta pelos senhores feudais, verdadeiros déspotas, que utilizavam seu poder nos tribunais em proveito próprio com fins políticos e sem critérios de igualdade e justiça, este ficou conhecido como “período negro da história” tomado pelo despotismo, absolutismo e o totalitarismo[83]. Para reprimir este abuso de poder buscou-se a codificação que teve seu advento através do movimento iluminista que deu origem à escola do direito natural. Diante deste contexto não se poderia admitir discricionariedade no exercício da jurisdição, que segundo Kelsen, o juiz deve apenas pronunciar a lei e não interpretá-la.
Hoje não mais há que se falar em enrijecimento das regras processuais, afim de limitar a atuação do magistrado, mas ao contrário, o que se pretende não é perpetrar a temida injustiça, uma vez que a função jurisdicional é hodiernamente apta a aplicar o direito e a legislação instrumental, portanto, deve dar liberdade e não restringir a atuação da tríade processual (Juiz, autor, réu), somente assim se proporcionará a efetividade e a consequente justiça.

3.7. Poder Geral de Cautela e antecipação de mérito

O Poder Geral de Cautela encontra-se no CPC, artigos 273, § 7º (fungibilidade), 797 (liminar), 798(fungibilidade), e 799 que pode conceder a medida cautelar de ofício (ex offico), esta é uma faceta do poder geral de cautela do magistrado, concedendo a medida provisória sem requerimento da parte ou substituindo uma medida cautelar inadequada por outra adequada ao pedido, e ainda, conceder medidas inominadas (não específicas / atípicas), e porque não, satisfativas, conforme a adequação, necessidade e urgência, verificando por óbvio a proporcionalidade entre e o pleito emergencial (pretensão/mérito), bem como, suas consequências para o réu, uma vez que a concessão se dá liminarmente, e o réu não poderá expor o contraditório.
Vejamos o que diz o diploma processual supra citado:
Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
Art. 799. No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.
Ora, se a fungibilidade é uma manifestação daquilo que se convencionou denominar Poder Geral de Cautela[84], uma vez investido o magistrado desta função / poder / dever, não se deve restringir seu múnus estatal que é o de distribuir a Justiça na realização do bem comum. Por exemplo, a questão relativa a direitos indisponíveis e fundamentais, como é o caso dos alimentos provisionais destinado à sobrevivência digna do alimentando, não deve o magistrado por simples ausência de requerimento do interessado, furtar-se a deferir a medida de ofício, pois o bem jurídico tutelado é maior que simples normas instrumentais.
Ilustra de forma singela, porém, não menos brilhante o eminente processualista Arruda Alvim[85], a respeito dos poderes do juiz frente a reforma do CPC, da seguinte forma: “De certa forma, o juiz ‘aumentou’ e a ‘lei’ diminuiu”.
A antecipação de tutela, em regra, requer manifestação do interessado, entretanto, fazendo uma interpretação literal do texto do artigo 798 do CPC, embora esteja disposto no Livro III - Do Processo Cautelar, faz entender o aludido artigo quando ao mencionar “poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas”, e claro que estando presente seus pressupostos concessivos, esta aí, uma autorização genérica dentro do poder geral de cautela de conceder quaisquer medidas que julgar necessária à efetividade da jurisdição seja como assecuratória / conservatória da efetividade do processo, seja como antecipatória / satisfativa do provimento final de mérito, desde que revestida, a princípio, do requisito provisoriedade e reversibilidade.
Na lição do professor José Roberto dos Santos Bedaque[86], ele afirma: “[...] os antecipatórios e os conservativos, pertencem à mesma categoria de provimentos sumários, instrumentais e provisórios. Têm, pois, estrutura e finalidade idênticas”.
Nesta esteira nota-se um raciocínio jurídico de vanguarda dos doutrinadores e podemos citar alguns como Dinamarco, Bedaque, Wambier, Marinoni e Destefenni que defendem a possibilidade a fungibilidade em ambos os sentidos.
Como diz Marcos Destefenni acerca do poder geral de cautela:
Nas ações cautelares, o magistrado pode determinar medidas ex officio, pode conceder medidas não especificadas (inominadas) pelo CPC, bem como pode conceder medida diversa daquela que foi pleiteada, até porque, ‘quem pode o mais’, que é determinar providência de ofício, ‘pode o menos’, que é determinar providência diversa da que foi pleiteada.
Isto quer dizer que, o juiz à requerimento da parte pode também, quando solicitado uma medida acautelatória, conceder uma medida antecipatória, desde que presente seus pressupostos concessivos e assim ô se convencer.
No entanto vale lembrar a preciosa lição do ilustríssimo processualista Galeno Lacerda[87]:
[...] consagram o poder cautelar geral do juiz, qualificado na doutrina como inominado ou atípico, exatamente porque se situa fora e além das cautelares específicas [...]. No exercício deste imenso e indeterminado poder de ordenar ‘as medidas provisórias que julgar adequada para evitar o dano à parte provocado ou ameaçado pelo adversário, a descrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos em presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando, no exercício do imperium, decretava os interdicta.
Nas palavras do professor Galeno pode-se sentir certa temerosidade frente ao poder geral de cautela devido à dimensão e o alcance do instituto ora em ênfase. Mais a diante em sua obra[88] também classifica o poder geral de cautela segundo sua natureza como discricionário e, em regra, jurisdicional. Parece um paradoxo, pois atos discricionários seriam exclusivos da atividade administrativa, em oposição à jurisdicional, afirma o professor ser esta uma questão superada pela melhor doutrina. Vale lembrar que descrição não significa arbitrariedade, mas liberdade de escolha, de determinação dentro dos limites legais. Portanto, este instituto fundamental para a efetividade jurisdicional requer da magistratura juízes tecnicamente bem preparados e dotados de elevado grau prudência e discernimento para aplicar a norma genérica que lhes foi confiada pelo legislador e pela sociedade.
É oportuno lembrar que o magistrado pode conceder, bem como, revogar a tutela antecipada de officio a qualquer momento desde que se verifique a inexistência dos requisitos concessivos ou ainda, que a situação ensejadora da antecipação outrora concedida deixou de existir, além de eventuais situações como revelia, desistência da ação, etc.
Vejamos a jurisprudência colhida por Theotonio Negrão[89] que bem sintetiza o caso em tela: “O juiz pode revogar a antecipação de tutela, até de oficio, sempre que, ampliada a cognição, se convencer da inverossimilhança do pedido (RSTJ 152/311, dois votos vencidos)”.
Referente ainda à antecipação dentro do poder geral conferido ao magistrado (poder de antecipação), o magistrado deve procurar dentre tantos princípios a serem atendidos confrontados e sopesados, mas especialmente um deles é extremamente relevante ao magistrado para sua decisão de concessão da medida antecipatória, é a aplicação da regra da proporcionalidade que implica na idéia de justa medida.
Como diz douto professor Carlos Roberto Siqueira Castro[90]:
[...] proporcionalidade encerra, assim, a orientação deontológica de se buscar o meio mais idôneo ou a menor restrição possível, a fim de que a lesão de um bem da vida não vá além do que seja necessário ou, pelo menos, defensável em virtude de outro bem ou de um objetivo jurídico revestido de idoneidade ou reconhecido como de grau superior. Trata-se, pois, de postulado nuclear que se converte em fio condutor metodológico da concretização judicial da norma, à qual, segundo Pierre Muller, ‘devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder’.
O direito fundamental à efetividade da prestação jurisdicional dirigida ao Estado requer que o magistrado ao contrastar valores constitucionais conflitantes, por exemplo, direito à ampla defesa do réu frente à necessidade premente da antecipação de um direito material também constitucionalmente tutelado, o juiz utilize-se da técnica de ponderação dos valores em conflito e aplicando o princípio da proporcionalidade buscar a melhor forma de solucionar o conflito, refletindo as futuras conseqüências na esfera jurídica do autor e do réu, que seria a eficácia lateral da concessão da medida antecipatória já que a eficácia vertical se dirige ao Estado que é o sujeito obrigado à prestação da garantia constitucional de prestar a tutela jurisdicional eficaz e tempestiva, ou seja, efetiva.
Consoante o admirável professor Marinoni ensina[91]:
Quando o juiz presta a tutela jurisdicional, seja exercendo a escolha da modalidade executiva adequada, seja suprindo eventual omissão legislativa, deve aplicar a regra da proporcionalidade. Isso porque o exercício do poder jurisdicional, ainda que resulte de um direito fundamental, pode afetar não somente o titular desse direito, mas também direito fundamental de particular que a ele se contraponha, vale dizer, direito fundamental do réu. Além disso, ainda que existindo regra expressa sobre a aplicação de determinada técnica processual, ela obviamente não pode deixar de valorada na perspectiva da regra da proporcionalidade. [...] em face da aplicabilidade imediata do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, basta verificar se a técnica processual pretendida é necessária para a realização desse direito e se nada impede, diante da análise do direito do réu, a sua concessão.
Seguindo a tendência processualística atual e aplicando a teoria da instrumentalidade processual que se coaduna com as regras da fungibilidade que, por sua fez, mantém vínculo direto e estreito com a efetividade processual, esta requer procedimentos dinâmicos, céleres e eficazes para que o Estado, por sua vez, cumpra seu papel de alcançar o bem comum de seus cidadãos e a paz social.







Página 1 - 2 - 3


Compartilhar