USUCAPIÃO
I - CONCEITO:
“A usucapião é um modo de aquisição de propriedade e de outros direitos reais (usufruto, uso, habitação, servidões prediais) pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais”.
“Modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos legais” (Modestino).
“A usucapião é a ponte que realiza essa travessia como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, prevalecendo uma mutação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto”. (FARIAS, 2008: 258 – 259)
Se for aquisição originária ou derivada até hoje se discute, apesar de em nosso direito a corrente dominante é a que considera como aquisição originária.
A Usucapião está disposto nos artigos 1.238, CC e seguintes.
II - NOTÍCIA HISTÓRICA:
O USUCAPIÃO deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Seu significado original era de posse. A Lei das XII Tábuas estabeleceu que quem possuísse por dois anos um imóvel ou por um ano um móvel tornar-se-ia proprietário. Posteriormente, perceberam que o prazo era muito curto e passaram para 50 anos. Era modalidade de aquisição ius civile, portanto, apenas destinada aos cidadãos romanos, porém isso foi somente de início, em seguida estendeu-se o benefício em favor dos peregrinos.
A prescrição passou a ser maneira de aquisição e perda de direito. Existe uma idéia manifesta de que a prescrição e o usucapião são a mesma coisa, proveniente do direito francês, já no Direito alemão existe a Teoria dualista de que o usucapião e a prescrição são institutos em separado, como de fato o são, inclusive em nosso sistema jurídico, apesar de ser chamado por alguns de prescrição aquisitiva.
“O legislador pátrio pendeu, tanto o de 1916 quanto o de 2002, pelo sistema alemão, fundado na tradição romana e segundo o qual o usucapião tem vida própria, apresenta contornos que lhe são peculiares e é autônomo, malgrado inegáveis afinidades coma prescrição”(FARIAS, 2008, p.122).
A palavra é do gênero feminino, logo a utilização correta seria a usucapião, contudo com a evolução normal da língua passou a ser considerada do gênero masculino.
OBS: O termo PRESCRIÇÃO AQUISITIVA somente é usado na França. Não usar esse termo na prova.
III - FUNDAMENTO:
O fundamento do usucapião é a consolidação da propriedade.
a) Subjetivo – É a vontade do proprietário em não ser dono. ANIMUS de abandono, já que não agiu como proprietário ao permitir que outrem tomasse para si o seu imóvel.
b) Objetivo – Garantir a estabilidade e a segurança da propriedade, fixando um prazo do qual não se pode levantar dúvidas ou contestações a respeito, sanando a ausência de titulo de possuidor, bem como vícios do título que o mesmo tiver.
Justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se aquele que se utiliza utilmente de um determinado bem, em detrimento daquele que deixa o tempo escoar sem dele utilizar-se ou não insurgindo que outro o faça, como se dono fosse.
A usucapião deve ser considerada modalidade originária de aquisição, porque o usucapiente constitui direito à parte, independente de qualquer relação Jurídica com o anterior proprietário. Irrelevante houvesse ou não existido anteriormente um proprietário.
“O usucapiente torna-se proprietário não por alienação, mas em virtude da posse exercida. Uma propriedade desaparece e outra surge, porém não pode se dizer que a propriedade é transmitida”. (Nuovo Digesto Italiano).
Se a aquisição é considerada derivada é necessário que se paguem impostos, se é considerada originária, não é necessário.
OBS: O fundamento justifica a usucapião no mundo jurídico. No processo é irrelevante que existam esses fundamentos.
IV - REQUISITOS:
Faz-se necessário rigoroso exame para averiguar se a usucapião está transitando entre os cônjuges, companheiros, pais e filhos na Constância do poder familiar ou contra os absolutamente incapazes a que alude o art. 3º do CC. Aplicam-se ao usucapião as causas impeditivas e suspensivas da prescrição dos art. 197 e 198(a art. 199 não se aplica ao usucapião).
São três Ordens:
a) PESSOAIS – Exigências em relação ao possuidor que pretende adquirir o bem e ao proprietário que o perde. Não poderá um dos cônjuges fazer usucapião contra o outro. (Arts. 197 e 198 do CC).
Não poderão sofrer usucapião as pessoas a serviço do país fora dele ou em serviço militar, tendo como fundamento o respeito ao papel que desempenha no país.
Na doutrina há certa divergência quanto ao menor poder usucapir ou sofrer usucapião por lhe faltar a capacidade civil. A doutrina majoritária entende que se o menor for assistido ou representado há o que se falar em usucapião, já que o representante responde pelos atos praticados e deve prestação de contas ao menor. A Lei, porém, equipara a usucapião à prescrição no que tange ao direito do menor.
b) REAIS – Alusivas ao bem e direitos suscetíveis de serem usucapidos, pois nem tudo poderá como as coisas fora do comércio, os bens públicos, bens inalienáveis, terras devolutas, assim como a massa falida. (Art. 183, §3º e 191 § único da CF).
Terras devolutas são aquelas em que não há especificidade quanto ao seu real proprietário. Pode se afirmar que elas se encontram no limbo jurídico. São imóveis que não estão registrados como da União, mas o são. Geralmente elas pertencem à União, ao Estado ou ao Município. Elas originalmente pertenciam à coroa portuguesa que acabou doando muitas terras. São exemplos de terras devolutas as que ficam à margem das estradas, em torno das penitenciarias, às margens de alguns rios etc.. A sentença que procede ao usucapião de terras devolutas não faz coisa julgada material, portanto, poderá ser revogada a qualquer tempo.
“Salvo a hipótese de usucapião pro labore, só podem ser usucapidos bens de domínio particular. Bens públicos de qualquer natureza, patrimoniais ou dominicais, não são suscetíveis de usucapião. Nessas condições terrenos de marinha e terras devolutas não comportam esse modo de aquisição de propriedade” (FARIAS, 2008, p. 122). A usucapião de terras devolutas caiu por terra com a constituição de 1988, que proibiu expressamente.
O posicionamento de CRISTIANO CHAVES quanto ás terras devolutas é de que, deverá o ESTADO provar que é sua a propriedade.
Do mesmo modo vem decidindo o STJ “A ausência de transcrição no Ofício Imobiliário não induz a presunção de que o imóvel se inclui no rol das terras devolutas; o Estado deve provar essa alegação”. (AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 514.921 - MG . Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS)
Há modalidades de posse que não admitem usucapião, sejam elas: Locatário, comodatário. Apesar de terem posse imediata do bem, não poderão adquiri-lo por usucapião, já que lhes falta o animus de dono e somente poderão usucapir com a modificação do ânimo.
O bem hipotecado, de praxe, ao ser usucapido deveria romper com a hipoteca, já que a usucapião é modalidade de aquisição originária, devendo romper com a propriedade anterior, mas nem todo magistrado entende dessa forma.
O bem de família voluntário do Código Civil indicando em escritura pública para a proteção contra dívidas futuras tem a inalienabilidade como modo impeditivo somente para as formas de aquisição por modo derivado, jamais a usucapião que não envolve qualquer ato de transmissão patrimonial.
“Em terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas em usufruto também não são usucapíveis”(Art. 20, XI da CF)
c) FORMAIS – Os elementos necessários ou comuns ao instituto, são eles a posse mansa e pacífica e contínua, lapso de tempo fixado em Lei, sentença judicial (CPC, 941 à 945).
* Posse mansa – é aquela adquirida de forma não viciada (clandestina, precária) sem contestação oposição da parte contraria.
* Posse pacífica – é aquela que não é violenta.
* Contínua – não há interrupção. V.g. Se eu tenho a posse de um determinado imóvel e após um período abandono e depois retorno, não há o que se falar em continuidade. Porém, se eu tenho uma posse e vendo, ela poderá servir para a contagem do período aquisitivo.
“A união de posses exige que ambas sejam homogêneas, da mesma natureza, a fim de formar período suficiente para usucapir. Quem adquire, por exemplo, posse obtida pelo antecessor de forma precária, clandestina ou violenta, não poderá somar o período anterior para completar o usucapião. Deve aguardar seu próprio lapso temporal.” (VENOSA)
d) ESPECIAIS – justo título e boa-fé.
* Justo Título - É o ato jurídico imperfeito que pela imperfeição não transfere a propriedade ao possuidor. Enquanto não registrar, será somente justo título.
“Trata-se de um título que, em tese, apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade, malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição” (FARIAS, 2008, p.277).
“O justo título pode se concretizar em uma escritura de compra e venda formal de partilha, carta de arrematação, enfim, um instrumento extrinsecamente adequado à aquisição do bem por modo derivado. Importa que contenha aparência de legítimo e valido, a ponto de induzir qualquer pessoa normalmente cautelosa a incidir em equivoco sobre a sua real situação jurídica perante a coisa.” (FARIAS, 2008).
* Boa-fé – é o desconhecimento de vícios.
A Lei exige que a posse seja contínua e incontestada, pelo tempo determinado com o ânimo de DONO.
V – SENTENÇA
Há quem acredite que a sentença é meramente declaratória, não constitutiva, pois ela apenas declara apenas o direito, já que esse preexiste à sentença. Munido da sentença o possuidor pode fazer o registro em cartório.
“O registro não é a aquisição, mas regulariza a situação do imóvel e permite assim eventualmente sua alienação ou hipoteca” (FARIAS 2008, p.277).
VI – MODALIDADES DE USUCAPIÃO
a) EXTRAORDINÁRIO (Art. 1.238, CC)
É o mais longo, porém o mais usual por não exigir requisitos específicos, quanto à pessoa forma, etc. Basta que o possuidor esteja na posse mansa e pacífica do imóvel no lapso temporal de 15 anos sem interrupção. Não exige o justo título e a boa-fé.
b) EXTRAORDINÁRIO ESPECIAL (Art. 138, § único, CC).
Cai de 15 para 10 anos, porém existem alguns requisitos: deverá ser utilizado para moradia habitual ou se nele houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Geralmente é utilizada no imóvel rural, mas nada obsta que se utilize no urbano.
A perda da propriedade pelo antigo dono se dá pela inércia em reaver a coisa no lapso temporal de 10 anos.
c) ORDINÁRIO
Há o mesmo prazo de 10 anos que é exigido no usucapião extraordinário, no entanto, no anterior há a dispensa do justo título e da boa-fé. O que acontece usualmente é a pessoa entrar com o pedido de usucapião ordinário e subsidiariamente com o extraordinário no caso de haver qualquer impedimento por conta das exigências.
Nesta modalidade de usucapião há a exigência do justo título e da boa-fé. Deve-se observar que o justo título ao contrário do que muitos imaginam, não é necessariamente um documento. A sucessão hereditária sem inventário é justo título, o que falta é a formalidade, assim, não se pode registrar o imóvel diretamente, é necessário que o Juiz sentencie o processo de inventário.
No caso de compra e venda de imóvel acima de 30 salários mínimos deverá haver a escritura pública. Recibo não é justo título, apenas prova de pagamento.
NÃO É MUITO COMUM.
d) ORDINÁRIO ESPECIAL
Poderá cair de 10 para 05 anos. A possibilidade de ocorrer essa modalidade de usucapião é mínima.
Essa modalidade possui mais facilidades em prol da aquisição, e é também denominada, segundo VENOSA, de usucapião documental ou tabular. Esta visa proteger o proprietário aparente, isto é, aquele que já possuía uma inscrição dominal que fora cancelada por vícios de qualquer natureza.
Pode acontecer de o proprietário perder o título que por qualquer motivo foi cancelado: por irregularidade formal, por vício de vontade etc. Assim, essa nova lei protege quem atribui utilidade para a coisa, em detrimento de terceiros.
Não será dispensada a exigência do justo título e da boa-fé, deste modo, este usucapião não premia aquele que adquiriu o imóvel com vício e o registrou para poder ocupar o imóvel. Se for esse o caso, ele deverá aguardar o prazo e fazer o usucapião extraordinário.
Exige destinação social do bem.
e) CONSTITUCIONAL URBANO
. O indivíduo só poderá fazê-lo uma vez (para esse requisito é necessário prova documental), além de a necessária utilização do imóvel para moradia e da família e o terreno deverá ter no máximo 250 m² de extensão. Se for acima de 250 m² poderá o usucapiente fazer dos 250 e depois de registrado em cartório, retificar o registro, acrescentando o restante.
Esse usucapião é concedido em benefício da família, ao homem ou à mulher ou a ambos, independente do estado civil.
f) CONSTITUCIONAL RURAL
A Constituição de 1988 criou essa espécie de usucapião baseada na idéia da função social da propriedade, utilizado como instrumento de regularização fundiária.
Essa aquisição era permitida em terras particulares, bem como em terras devolutas, o que abria exceção ao princípio de imprescritibilidade de terras públicas.
A Lei adotou o rito sumaríssimo, hoje sumário para o processo e expressamente se referia à possibilidade de ser invocado como matéria de defesa.
Essa modalidade encontra-se também disposta no art. 183, CF.
No que tange ao usucapiente não poder ser proprietário de outro imóvel é restritiva, não se aplica a outros direitos reais. Nada impede que o usucapiente seja usufrutuário de outro imóvel.
A Lei refere-se à moradia no local, portanto é necessário que exista edificação que sirva de moradia do usucapiente e da sua família, porém não exige que haja o justo-título e a boa-fé. Há interesse do Estado de que terras produtivas estejam nas mãos de quem realmente faça cumprir sua função social, além de promover a fixação das pessoas no campo.
g) USUCAPIÃO COLETIVO Art. 1.228, §4º, CC. (Instituído pelo Estatuto da Cidade)
A intenção do legislador é atingir a população de baixa renda, embora a Lei não diga especificamente o que significa baixa renda. Percebe-se, portanto, que essa lei foi criada para atender à pressão social das ocupações urbanas, possibilitando que diversas pessoas se reúnam a fim de regularizar sua situação fundiária sem os entraves e o preço de um usucapião individual.
É exigência da Lei que a área ocupada possua mais de 250 m², que sua ocupação seja coletiva e sem a identificação dos terrenos ocupados (na pratica esses terrenos podem ser ocupados). Deverá haver a realização de obras e serviços e obras consideradas pelo Juiz, de interesse social, por parte dos ocupantes. Além disso, a área deverá ser particular, já que é proibido o usucapião de terras públicas. No mais há ainda a necessidade de que a posse seja ininterrupta e de boa-fé, pelo lapso temporal de 05 anos.
g)USUCAPIÃO COLETIVO ESPECIAL (Art. 1.228, §5º, CC)
Nas duas hipóteses encontramos a busca pelo sentido social da propriedade, sua utilização coletiva. No primeiro caso os habitantes da área adiantam-se e pedem a declaração de propriedade. No segundo caso, eles são demandados em ação reivindicatória pelo proprietário e apresentam a posse e demais requisitos como matéria de defesa ou em reconvenção, pedindo o domínio da área.
Essa ultima modalidade de usucapião mais se assemelha à desapropriação, já que nesta o Juiz indenizará o proprietário, assim, pago o preço, a sentença valerá como título para o registro de imóvel em nome dos possuidores.
O Usucapião da lei 10.257/01 somente se aplica aos imóveis urbanos.
No usucapião coletivo, instituído pelo Estatuto da cidade, a Lei determina que o Juiz atribuirá igual fração ideal do terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo por escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas (art.10º , §3º).
Quanto à legitimidade, o artigo 12 do referido Estatuto dispõe que poderão impetrar usucapião (individual - §9º e coletivo – art. 10): o possuidor (isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente); aos possuidores em estado de composse e à associação de moradores da comunidade regularmente constituída, como substituto processual, desde que devidamente autorizada pelos associados.
É obrigatória a presença do MP e o Estado concede assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
VII – PROCESSO NO USUCAPIÃO
A ação de usucapião é de eficácia declaratória ”poderá o possuidor requerer ao Juízo que seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade” Art. 1.241, CC.
Não se constitui a propriedade pela sentença, haja vista que sua declaratividade permite que o usucapião seja usado como matéria de defesa para obstar ação reivindicatória.
O efeito da sentença é ex tunc e somente ela poderá declarar o usucapião.
Os art. 941 ss regulam o processo de usucapião e legitimam ao possuidor impetrar a ação.
A peça inaugural deverá ser munida de planta e descrição minuciosa do imóvel a fim de facilitar a citação dos confinantes e a matricula correta, decorrente da sentença. Deve também ser juntada a certidão do registro imobiliário, mesmo que esta seja negativa. Além disso, o art. 942 exige a citação pessoal daquele em cujo nome esteja transcrito o imóvel.
Expede-se a citação para o reconhecimento dos réus ausentes, incertos e desconhecidos (art.942, CC). Os representantes da Fazenda são cientificados por carta (art. 943).
A súmula 263 do STF dispõe que “o possuidor deve ser citado pessoalmente, para a ação de usucapião”.
O art. 945 dispõe que satisfeitas as obrigações fiscais será expedido através de sentença, mandado no registro de imóveis. Não é pago imposto de transmissão intervivos, já que se trata de aquisição originária.
O foro para a propositura da ação de usucapião é o da circunscrição do imóvel. Quando a União demonstra interesse, desloca-se a competência para a Justiça Federal (contestação ou alegação de que a decisão possa prejudicar direito da União – não basta o simples pedido de acompanhamento do feito).