INTRODUCÃO


    Hermenêutica do grego hermeneuein é hodiernamente tida como uma teoria ou filosofia da interpretação, capaz de tornar compreensível o objeto de estudo mais do que sua simples aparência ou superdiclidade.
    O verbo interpretar, em nossos dicionários significa ajuizar a intenção, o sentido de; explicar ou aclarar o sentido de; traduzir, decifrar, esclarecer, etc. entretanto, é preciso esclarecer-se que a Hermenêutica visa revelar, descobrir, perceber qual o significado mais profundo daquilo que está na realidade manifesta. Pela Hermenêutica descobre-se o significado oculto, não manifesto, não só de um texto (escritosenso), mas também da linguagem.

O termo Hermenêutica ingressou na teologia protestante substituindo a expressão latina ars interpretandi (= a arte da interpretação). Como doutrina da arte da interpretação, a Hermenêutica se relacionava, na antiguidade grega, à gramática, à retórica e a dialética e sobre tudo com o método alegórico, para permitir a conciliação da tradição (os mitos) com a consciência filosoficamente esclarecida. Mais tarde, a arte da interpretação foi assumida, por teólogos judeus, cristãos e islâmicos, além de ser aplicada a interpretação do Corpus iuris canonici na tradição da jurisprudência. Isso mostra que a Hermenêutica, já entendida como a arte da interpretação, se tornava presente cada vez que a tradição entrava em crise, sobretudo na época da Reforma Protestante.
Levando-se em conta que a Hermenêutica pode ser definida como a arte da interpretação, deduz-se, obviamente que a Hermenêutica é compreensão. A Hermenêutica Jurídica seria então a compreensão que daria o sentido a norma. Isso quer dizer que na norma ou no texto jurídico há sempre um sentido que não está explicitamente demonstrado para que possa ser alcançado de forma essencialista. Poderíamos nos arriscar a dizer que isso se aproxima um pouco da idéia Kantiana de fenômeno e coisa-em-si. 


A norma jurídica seria não o que Kant chamou de noumenon (coisa-em-si) que é incognoscível, mas o fenômeno, tendo em vista que norma é algo que para ser conhecido, no sentido da interpretação, tem de haver, diríamos uma construção desse conhecimento. Isso significa que o conhecimento da norma passa pela compreensão da mesma, não como um exercício de mera apreensão da dogmática jurídica, mas da interpretação criativa, critica, onde o sujeito, determinado por sua cultura será capaz de dar conta da interpretação/hermenêutica como processo de compreensão do direito. Nesse sentido, podemos dizer que a Hermenêutica Jurídica, como arte da interpretação jurídica, é um processo de construção e re-construção. A relação sujeito objeto na interpretação jurídica, portanto, não é uma relação meramente contemplativa, onde a dogmática jurídica se apresenta como verdade absoluta, quase como verdade revelada, mas uma atividade subjetiva, onde o sujeito tem o papel ativo, mesmo se considerado que grande parte da interpretação só pode ser realizada a partir de conceitos previamente estabelecidos pela tradição na qual o sujeito está inserido, ou jogado, conforme diria Heidegger.
Deste modo, ao interpretar uma norma jurídica, o jurista terá compreensão desse objeto, desse fenômeno jurídico, mediante um instrumento que irá proporcionar essa compreensão. Tal instrumento é a linguagem. Note-se, entretanto, que linguagem, como instrumento para a compreensão e interpretação, não é um terceiro elemento, um ente à parte nessa relação sujeito-objeto, mas condição de possibilidade de interpretação da norma jurídica.
CONCEITO DE HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA


A importância da linguagem no direito é fundamental, pois é através do seu uso que se emprime o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o poder e o não poder. Sem o domínio da linguagem, o sistema jurídico ficaria a mercê da obscuridade, da incongruência com o real, e a aplicação da lei restaria duvidosa, estranha ao fim social a que se destina.
A palavra, mesmo usada da forma correta, gera, muitas vezes, interpretações distintas, pelo fato da linguagem normativa não apresentar significados unívocos. Como se não bastasse, existem também as hipóteses em que o texto legal vem empobrecido com erros gramaticais que confundem sobremaneira a interpretação correta da norma jurídica.
Tais considerações, apesar de informarem de forma evidente a importância da interpretação normativa, não são suas únicas justificativas: a maior razão de ser da atividade interpretativa consiste na obrigatoriedade do Estado na realização da paz social, dirimindo conflitos de interesses, visando, assim, manter a ordem jurídica. Essa tarefa obriga o operador jurídico a aplicar regras de interpretação jurídica, visando a adequar e aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sempre atento aos elementos concretos e vivos da experiência social.
A norma jurídica sempre necessita de interpretação. A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se referem diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seu fim, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, com produtos de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente.
Tal interpretação é feita, sempre, conforme regras e enunciados preestabelecidos; realizado de acordo com regras de como interpretar regras jurídicas. O nome dado à ciência que estuda e confecciona o repertório de enunciados a serem respeitados pela vida interpretativa é Hermenêutica.
Cabe nesse momento de estudo, salientar a opinião de alguns autores, dentre eles o mestre Celso Ribeiro Bastos, no sentido de esclarecer a diferenciação entre Hermenêutica e interpretação.
“Faz sentido aqui a diferença posto que Hermenêutica e interpretação levam as atitudes intelectuais muito distintas. Num primeiro momento, está-se tratando de regras sobre regras jurídicas, de seu alcance, sua validade, investigando sua origem, seu desenvolvimento, etc. Ademais, embora essas regras, que mais propriamente poder-se-iam designar por enunciado, para evitar a confusão com as regras jurídicas propriamente ditas, preordenem-se a uma atividade ulterior de aplicação, o fato é que eles podem surgir autonomamente do uso que depois se vai deles fazer. Já a interpretação não permite este caráter teórico-jurídico, mas há de ter uma vertente pragmática, consistente em trazer para o campo de estudo o caso sobre o qual vai se aplicar a norma.”
Assim, a interpretação tem o caráter concreto, seguindo uma via preestabelecida, em caráter abstrato, pela Hermenêutica. Pode-se dizer que a interpretação somente se dá em confronto com o caso concreto a ser analisado e decidido pelo judiciário. A Hermenêutica, ao contrario é totalmente abstrata, isto é, não tem em mira qualquer caso a resolver.
Afirma o ilustre jurista Celso Ribeiro Basto que a interpretação é verdadeiramente uma arte. Compra as tintas que se apresentam ao pintor aos enunciados hermenêuticos que são deixados ao tirocínio do interprete. “Assim como as tintas não dizem onde, como ou em que extensão deverão ser aplicadas na tela, o mesmo ocorre com os enunciados quando enfrenta-se um caso concreto. Por isso, não é possível vegar, da mesma forma, o caráter evidentemente artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já tangencia co a própria retórica. Não é ela neutra ou fria como a Hermenêutica. Ela tem de persuadir, de convencer. O Direito está constantemente em busca de reconhecimento. Não se quer que o intérprete coloque sua opinião, mas sim que ele seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com o enunciado ou formas de raciocínio explícitos, previamente traçados e aceitos de maneira mais ou menos geral, advindos de determinadas ciência, mas sem necessariamente com isto estar-se fazendo ciência.”  
Assim a interpretação é, nada mais nada menos, que a aplicação ao caso concreto de enunciados já estabelecidos pela ciência da Hermenêutica. Uma coisa é interpretar a norma geral, outra coisa é refletir e criar as formas pelas quais serão feitas as interpretações jurídicas. Interpretar é descobrir o sentido de determinada norma jurídica ao aplicá-la ao caso concreto. A vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição, falta da terminologia técnica, má redação, obrigam o operador do direito, a todo instante, interpretar a norma jurídica visando a encontrar o seu real significado, antes de aplicá-la a caso sub judice. Mas não é só isso. A letra da lei permanece, mas seu sentido deve, sempre, adaptar-se às mudanças que o progresso e a evolução cultural do vocábulo imputam à sociedade. Interpretar é portanto, explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norm tudo o que nela se contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão.