O DIREITO E A SOCIEDADE


A diferenciação entre Hermenêutica e interpretação jurídica tem no presente estudo m significado todo especial: foi feita com o intuito de realçar a grande importância da interpretação jurídica pelo magistrado antes da aplicação da regra jurídica ao caso sub judice.
Houve tempo em que se acreditava ser a lei uma fórmula “mágica”, expressão definitiva do direito, através do qual o Estado poderia resolver todos os problemas jurídicos da sociedade. Acreditava-se que através da regra positiva poder-se-ia dirimir todas hipóteses de litígios surgidos na sociedade.


Tal pensamento equivale a igualar o ser humano à espécie animal. O animal vive em conformidade com seus instintos, segue, portanto, uma regularidade orgânica fixa e constante.
O homem se organiza de forma distinta por ser dotado de inteligência. Está, sempre procurando desenvolver-se, melhor suas condições de vida, progredir. O homem, diversamente da espécie animal, não segue seu instinto e sua vida está em constantes mudanças e adaptações. Sua vida social não esta organizada de modo inexorável e rígido; ao contrário, se desenvolve dentro de margens mais amplas, em uma grande variedade de formas suscetíveis de desenvolvimento, que exigem, sem sombra de dúvidas, um ordenamento construído sempre com liberdade.
O ordenamento é fixo, rígido, constante; a vida social do homem segue caminhos flexíveis, mutáveis, sempre em desenvolvimento. Luis de Garay, ao comparar o instinto animal com o ordenamento jurídico, conclui que “el ordem jurídico és, em lá sociedad e los hombres, el sutintuo y complemento Del orden intinitivo.”
N entanto, não se alcança à harmonia, a justiça e a ordem, simplesmente seguindo o curso livre dos acontecimentos. Daí vem a necessidade e obrigação do homem de criar um ordenamento jurídico real, passível de interpretações, sem ilusões ou mágicas visando regular os atos humanos em conformidade com a realidade social.



A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA QUANDO REALIZADA EM DESCONFORMIDADE COM REALIDADE SOCIAL


A interpretação da norma jurídica em desconformidade com o bem comum, com a evolução cultural, ou ainda, em desacato a própria estrutura de um ordenamento jurídico geram injustiças, desigualdade social ou, no mínimo, situação de desrespeito em relação ao Judiciário.
Em excelente artigo intitulado “ A Hermenêutica jurídica de Hans-George Gadamer e o pensamento de São Tomás de Aquino” publicado no site do Conselho da Justiça Federal, Rodrigo Andreotti Musetti ensina que “A existência do ordenamento jurídico, por si só, não garante o fim do Direito, qual seja, a justiça. Se assim fosse, já teríamos computadores recolhendo aos casos concretos e aplicando neles as leis pertinentes. A natureza e a realidade humana não podem ser tratadas como números ou formulas.”
E conclui o eminente jurista:
“como nos ensinaram Hans-George Gadamer e São Tomás de Aquino, ao jurista é imprescindível, muito mais do que aplicar a lei ao caso concreto, saber interpretá-la de modo a alcançar o justo. Essa interpretação deve considerar, essencialmente, a causa do homem – visto como ser humano que vive em sociedade, que aspira ao bem comum. A lei deve existir para servir ao homem e não o homem à lei.
A lei pode não ser condizente com sua finalidade original, por ter sido elaborada de forma a não garantir o bem comum ou por sua desvirtuada aplicação e interpretação. À medida que a lei se afasta da sua finalidade original, que pode, muitas vezes, não ser a finalidade desejada pelo legislador, ela perde seu compromisso com o bem comum e, naturalmente, deixa de beneficiar a todos para beneficiar alguns. Tal lei, em perdendo sua identidade/sentido, não pode continuar a ser lei, devendo ser revogada.
Tanto a criação da lei como as suas aplicações devem visar ao bem comum. Se assim não for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade.
Elaborar a lei para beneficio da minoria é uma aberração. Aplicar e interpretar a lê sem visar ao bem comum é outra aberração”.
Exemplo e aplicação da lei, em total consideração ao ordenamento jurídico e ao bem comum, foi protagonizado pela mais alta corte do pais recentemente.
Coube ao ministro Relator, decidir em caráter liminar, sobre ação impetrada pela Associação dos Juízes Federais, visando a um aumento salarial para a categoria.
Para obtenção do objetivo, pleitearam na referida ação o repasse aos vencimentos dos ministros o valor pago aos deputados a título de auxilio moradia. Caso tivessem êxito e o aumento aos ministros fosse definido, esse geraria um efeito cascata às demais instâncias da Justiça Federal.
Ocorre que a ação permaneceu no Supremo Tribunal Federal por cinco meses sem ser apreciado o pedido de liminar, fato que levou a categoria a convocar greve nacional. Tal greve, conforme prescreve a Constituição Federal Brasileira, é ilegal pelo fato de o juiz exercer atividade essencial.
Resolveu, então, o Relator do processo, conceder liminar para atribuir verdadeiro aumento salarial, interpretando a lei e aplicando-a de forma totalmente equivoca, viciada a política.
Sem se ater ao elemento político da concessão de tal liminar, pode-se perceber, com clareza, que o relator do processo atropelou disposições legais, visando solucionar a questão. De acordo com o próprio ministro, a urgência e a relevância da decisão que tomou decorrerem da situação de greve. Posição no mínimo estranha, pois o relator se deixou convencer por um ato ilegal (greve), interpretando a lei em total conformidade com o caso concreto e, por fim, a aplicou concedendo uma liminar sem a existência de suas características fundamentais (fumus boni iuris e periculum in mora).
Nesse exemplo, a interpretação jurídica e a aplicação da lei foram inconseqüentes, arbitrárias, e desrespeitosa ao próprio ordenamento jurídico, deixando o Supremo Tribunal Federal em situação de descrédito perante a sociedade. Essa Corte é exatamente a que tem a missão de defender a lei e, sobretudo, a Constituição Federal.
Não se pode interpretar uma norma jurídica visando a interesses contrários ao bem comum, sob pena de gerar arbitrariedade e, conseqüentemente, injustiças. A lei foi elaborada com o objetivo de estabelecer o beneficio comum, não se admitindo, em hipótese alguma, interpretação que venha a satisfazer objetivos contrários à realização da justiça, sob pena de ferir a democracia vivificada em nosso país.
Lembra a propósito Chaim Perelma que “se o juiz viola regras de justiça concreta aceitas por ele, é injusto. Ele o é involuntariamente se seu julgamento resulta de uma apresentação inadequada dos fatos. Ele só o é voluntariamente quando viola as prescrições da justiça formal.” (Ética e Direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: 1966, ed Martins Fontes, p. 23)